segunda-feira, 21 de março de 2011

Sobre o Japão

Faz um tempo já que eu queria falar sobre isso mas prorroguei por não saber direito como começar.

Eu sei que é um país que muito provavelmente eu nunca vou visitar nessa vida. Simplesmente porque eu não tenho vontade. Porque eu sei que visitar o Japão pra mim seria tipo quando vou na 25 de Março: chego de manhã, ando na rua, compro umas bugigangas e termino o passeio na hora do almoço no Mercado Municipal, no sanduíche de mortadela famoso. É, porque só de andar ali na 25 e ver os coreanos/chineses e seu jeito brusco de falar e de viver e as marmitas com aquelas comidas verdes e gosmentas e cheirando terrivelmente mal, pra mim um sanduíche de mortadela no fim da rua é um oásis. Ah, mortadela, amiga, te amo.

Eu sei que chineses e coreanos não são japoneses. São bem diferentes, aliás. Mesmo assim, vai demorar ainda umas 20 encarnações pra eu comer um sashimi e me sentir feliz. Porque gente, pelamordedeus, eu nasci pra comer pastel com caldo de cana. Que peixe cru o que! E eu vou sim viajar e conhecer muitos países ainda, mas oriente, meu filho. Sem condições. Porque por mais que eu saiba que igual à comida brasileira não tem em mais lugar nenhum do mundo, o oriente se supera no mau gosto alimentício. E na hora do almoço eu vou querer arroz e feijão. E vão me servir tofu. E aí vai ser um problemão.

E sabe. Eu não tou nem aí se o pessoal da Líbia tá se matando. Se lá no Irã é guerra faz sei lá quantos anos. Também achei triste (e só) quando caiu tudo lá no Haiti. Pessoal na África tem Ebola, verdade. Han. Eu ouço todas essas e outras catástrofes/guerras/doenças na tv e o sentimento que tenho é sempre o mesmo. 'Puts, que pena. Nossa, amanhã tenho que ir ao mercado.' E sabe, me poupe se você tá lendo isso e depois vai escrever na minha caixa de comentários dizendo que blablabla tenho tudo e não tenho coração pra ajudar o próximo. Bah. Vai pregar pra outro, que eu tenho minhas concepções aqui muito bem resolvidas. Eu sempre acho que é uma pena e só. Não tem o que fazer. Acontece. E não sei, eu até acho legal quem se mobilize pra ajudar e mandar dinheiro e comida e roupa e papel higiênico, mas sabe. Talvez eu ache que não é DOANDO COISAS que se ajudem pessoas. Enfim.


O Japão é um país lá do outro lado do mundo. Que veio, encontrou porto seguro no Brasil e hoje tem sua maior colônia de descendentes. Aqui, como qualquer indivíduo (se chegar um Orc também) são amados e brasileiros assim como todos nós, nativos e misturados com descendentes do mundo inteiro. O Brasil é mesmo um grande carnaval. E, mesmo depois de acolher cada um desses traquinas com o maior amor e torná-los cidadãos brasileiros como nós mesmos, mesmo assim, quando um brasileiro vai trabalhar no Japão ainda é maltratado e quase escravizado em trabalhos sub-humanos que para nossos padrões talvez valham a pena, mas para eles são só mais um descendente de imigrante que fugiu de suas origens e misturou sua raça com um brasileiro. No sentido pejorativo da palavra.

O Japão deve ter aquele cheiro de ovo no ar. E os japoneses eram (talvez sejam ainda) os donos dos maiores baleeiros do mundo. E os japoneses são aqueles que, apesar de mais baixos que nós, nos olham com cara de quem é superior. De quem tem o controle.

Mesmo assim, toda vez que eu vejo na tv as cenas do tsunami, meus olhos enchem de lágrimas.


Veja bem, eu não choro nem em filme. Mas me dá dor no coração. Porque eu acho que a mãe brasileira que chega fazendo escândalo no hospital porque o filho traficante levou um tiro não tem a dor de um japonês que, vítimas das maiores desgraças da humanidade, continuam quietos. Você não vê japonês falando para as câmeras. Chorando desesperadamente. Não vê como no Datena, que todo dia alguém funga o nariz e pede JUS-TI-ÇA para a câmera. No Japão pode não ter tanto calor humano, mas também não tem descontrole.

Quando eu vejo na tv que uma criança em Fukushima é encontrada nos escombros, eu tenho vontade de mandar levar lá pra casa. Porque se Deus quis que alguma raça humana tivesse crianças tão lindas, com certeza deu o mérito aos japoneses. Cada vez que eu vejo a cena de alguém procurando parentes ou sentado ao lado do corpo da mãe, ainda que sem chorar, eu tenho vontade de ir lá consolar. Porque o que me admira é a aparente calma. Que não tem nada a ver com frieza, por sinal.


Eu sou afilhada e neta de coração de um descendente de japoneses. Esse ano vai fazer - um dia depois do meu aniversário - dez anos que ele não está mais entre nós. Mesmo assim eu lembro, como se fosse ontem, o beijo na testa que ele me deu, seguido de um "Deus te abençoe", a última frase que ele falou pra mim. Em vida, porque depois dela eu já tive várias situações que me levam a crer que ele ainda está comigo. Meu avô era um japonês que gostava de sentar com a gente (eu e seus dois filhos, os três com idades próximas) pra conversar de igual pra igual. E, quase no fim da vida, chegou a visitar o Japão. Foi para trabalhar, como quase todos os descendentes. Ficou seis meses lá e eu ainda tenho as cartas que ele mandou pra mim guardadas. Falando das crianças que iam para a escola de manhã, todos uniformizados e bem arrumados e com seus bonezinhos amarelos em fila indiana perfeita e em silêncio, pela rua. Falava da organização, da disciplina japonesa. E dizia, cada vez mais, que não via a hora de voltar para o Brasil, cheirando à bosta e cheia de ladrão, assim como é. Aqui era o lugar dele.

Seu Minor faleceu de um ataque cardíaco na sala de casa e eu me lembro muito bem da primeira noite inteira sem dormir da minha vida. Hoje, diferente daquela noite que eu passei pensando "e agora?", eu durmo e sonho com ele me dando orientações sobre o que fazer na vida. Sonho com ele me ajudando a pensar sobre tantas coisas. Me dizendo para onde seguir. Como agir. Sonho com ele me pentelhando. Amarrando meus cadarços de tênis um no outro. Enfiando o dedo no meu copo de refrigerante. Dando nós no meu cabelo. Escondendo meu chinelo. Exatamente como era antes, lá no meu sonho eu continuo sendo sua neta preferida. Neta torta, afilhada verdadeira, eu aqui com meus olhos redondos e cabelos claros totalmente protegida por meu avô. Japonês.

Há quase 1 ano atrás, eu estava com ele lá no Japão. Em um terremoto. Onde ele me levava pela mão por um caminho seguro, para um lugar seguro. Eu não tinha medo. No fim do caminho, me deu um beijo na testa e disse que não podia ir junto. Mas que para lá era o meu caminho. Que eu seguisse e fizesse as coisas do meu jeito. E foi embora.


Cada vez que eu vejo sobre a tragédia do Japão, me sinto lá. Não sei, não é um país qualquer. Eles são sim uma potência mundial, são ícones de sabedoria espiritual e tecnológica, são excelentes em tudo o que resolvem fazer. Mas toda vez que eu os vejo na tv, penso que podem ser como o meu avô. Que demonstrava frieza por fora, mas nunca me deu um olhar que transmitisse nada menos que muito carinho.

Eu sou neta de um japonês. Esse país também é meu.


Eu sonhei com terremoto dessa vez, mas já sonhei muitas, MUITAS vezes que estava em um tsunami. Quando eu nem sabia o que era isso, inclusive. Muito antes de ter toda essa moda de tsunamis nos lugares, pra mim era um pesadelo muito improvável. Até pensei se alguma coisa respectiva me aconteceu em alguma outra vida, tamanha a insistência do sonho. Hoje, vendo na tv, tudo aquilo, real, ali, atingindo pessoas, é assustador. Sonhos só são improváveis até se tornarem realidade. E o tsunami que atingiu a Tailândia aconteceu exatamente no dia do meu aniversário de 25 anos.

5 comentários:

  1. Tenho irmão e sobrinhas no Japão e meu coração fica apertado por aqui. É tudo realmente muito triste... =/

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  2. Ei Rê. O começo do post poderia ter sido escrito por mim, sem brincadeira. Sempre disse que não tenho vontade nenhuma de conhecer o Japão, e sempre dei a mesma justificativa: Pra mim é uma 25 de março gigante, e eu sempre que ia pra lá terminava o dia exausta. Hahaha. E o resto, tirando a parte do seu parente, também poderia ter sido escrita por mim, porque eu também me sinto passada com tudo isso, e eu e minha mãe estávamos mesmo comentando essas coisas. O mundo caindo em volta e eles ali, tão.... tão. Sabe assim? Que nem você descreveu. Com um semblante de calma. Me dá um desespero interior isso também.
    Beijos

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  3. Como você, também não tenho a menor vontade de conhecer o Japão e não como comida japonesa. E também fico horrorizada com cenas do tsunami. Imagino que, se eu aqui fico morrendo de medo quando dá enchente,medo da água invadir minha casa, imagina uma onda gigante que destrói literalmente as casas por onde passa! Nossa que horror. Que Deus proteja os nossos irmãozinhos de olhinhos puxados né! beijos

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  4. Bem guria, eu amo comida japonesa, em alguma encarnação passada fui gueixa... Agora eu me acabo chorando os as imagens, lá no Japão, aqui na esquina... Agora assombra mesmo a calma deles, este centro conquistado com anos e anos de evolução.

    Beijos

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  5. Ai, Rê. Não vale me fazer chorar com essa foto do japinha no final. Os japoneses são, realmente, um povo de cabeça fria e MUITO FORTE. Veja mesmo o que aconteceu com eles na Segunda Guerra Mundial, não é mesmo? E eles se reconstruíram e se tornaram o que são hoje - pelo menos até essa tragédia atingí-los, né?
    Eu torço, de coração, para que eles deem a volta por cima e mostrem a todos os outros países que a força de um povo não está, mesmo, na guerra ou na violência. E sim na inteligência, sabedoria.


    Beijos!

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