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domingo, 23 de março de 2014

Sobre o heavy metal na minha vida

Eu era uma criança paulistana comum. Com pais que trabalhavam, eu ia pra escola e voltava, fazia a lição de casa, brincava com minhas bonecas, ouvia as músicas da Angélica. Era filha única. Eu tinha oito anos. Meu pai nessa época tinha um açougue e às vezes eu ia lá comer um Polenguinho. Com ele trabalhava um rapaz vizinho, o Claude.

Claude tinha 16 anos, exatamente o dobro da minha idade. Até hoje quando nos encontramos na rua e eu o vejo com os mesmos olhos verdes e o cabelo castanho cacheado e comprido (agora ele tem alguns quilos a mais) eu lembro de quando ele passava na rua com as roupas pretas e acessórios com tachas. Claude trabalhava e conversava sobre música com o meu pai, que tinha 30 anos na época. Era 1988 e o Guns N' Roses começava a estourar. Claude emprestava LPs para o meu pai, que me acordava todos os dias tocando cada dia um rock diferente no último volume e me dizendo que um dia eu ia gostar.

Meu pai não estava errado, mas Claude nem deve sonhar que ele influenciou não só o meu gosto musical, como também o gosto do meu irmão, que nem sonhava em nascer naquela época. Pois Claude apresentou todas as "novas" bandas de rock e metal (porque o meu pai sempre foi roqueiro de Queen a Black Sabbath) e meu pai passou a ouvi-las tanto que hoje meu irmão tem 24 anos mas a banda preferida dele é o Guns.


Eu, ontem, no caminho para o show do Metallica, quando levantei no ônibus para descer no ponto mais perto do estádio, e junto comigo levantaram mais uma meia dúzia de tatuados e vestindo preto, sorri internamente. Pelos olhares amedrontados das "pessoas normais" que também estavam no mesmo ônibus. Por fazer parte da galera de preto. Pelo olhar de orgulho que recebi dos colegas de preto. Por estar vestindo pela primeira vez uma camiseta de caveira na vida. Por andar até o estádio ouvindo não as conversas fúteis que ouço as pessoas falando nos shows onde o público é mais novo. O público do Metallica comenta de política, de filmes, de tecnologia. Por ver pessoas reclamando de dor na perna, assim como eu, e me sentir inserida. Esse é o meu mundo, esse é o meu clube (e haja tatuados e cabeludos!). E, chegando lá, passado o medo inicial por ver 65 mil pessoas, em sua grande maioria homens muito maiores que eu (e olha que eu nem sou pequenininha), ver que eles pediam licença ao passar e tentavam ser educados. Por ver que eles respeitam as mulheres. Por, apesar da empolgação, ver que ninguém encostou em mim. Ninguém brigou perto de mim. E, apesar da maconha rolando solta, eu não ouvi um palavrão.

No palco, uma banda de cinquentões do heavy metal, mas cheios de simpatia. Cheios de humildade e interação. Eles têm aquele olhar de banda que sabe que está ali por causa da galera. Têm a ternura de uma banda que toca na chuva com as pessoas. Têm a sensibilidade de fazer um show cujo público escolheu TODAS as músicas do repertório. E eles tocaram com emoção, apesar de cada uma já ter sido tocada milhares de vezes em suas vidas. Têm a segurança em saber que, ao receber um fã no palco, não precisa necessariamente sair beijando na boca dele pra dar ibope (aprenda, Mr. Jon Bon Jovi).

Foi um dos melhores shows que eu já vi em toda a minha vida. E meu pai suspeitou que eu estava lá (eu só contei que ia num show, não contei de quem), minha mãe torceu pra eu não bater em ninguém (até parece que eu sou louca de bater em alguém no show do Metallica - eu só bato em gente que acha que é homem no show do Bon Jovi), minha avó nem sonhou que eu estava lá (vestindo camiseta de caveira ainda, imagina) e Claude... se ele soubesse não ia acreditar!


domingo, 8 de setembro de 2013

Sobre o fim da MTV Brasil

Então. Quem me conhece até já sabe o que eu vou falar sobre. Quem me lê há tempos também sabe que eu sou saudosa de tudo e de todos. Que eu tenho saudade até de tudo que eu ainda não vi.

Eu acho triste. Bem triste mesmo. A MTV fez parte da minha vida mesmo antes de existir. Fez parte da minha vida quando eu era ainda bem criancinha, 5, 6 anos. Quando eu assistia clipes de música com o meu pai. Naquela época a MTV ainda nem existia. A gente assistia alguns programas específicos nos poucos canais da tv que existiam. Clip Trip. Mas um programa de clipe de música em um canal aleatório no tempo em que Michael Jackson lançou Thriller com certeza fez existir o que foi a MTV alguns anos depois.

Eu conheci a MTV na casa da minha avó. Que assistia Beavis and Butt-Head com meu tio, que deveria ter uns 8 anos na época. Eu, uns 12. Era lá por 1992. De lá pra cá a MTV fez muita parte da minha vida.


Eu sou da época da Astrid. Da primeira temporada de Thunderbird. Mas também sou da época que a gente só tinha uma tv em casa, com 13 canais e que só funcionavam os tradicionais 2 (Cultura), 4 (SBT), 5 (Globo), 7 (Record), 9 (Manchete, que morreu e depois virou Rede TV!), 11 (Gazeta) e 13 (Bandeirantes). Pra assistir a MTV a gente botava no canal 12 e mudava a estação de VHS pra UHS. E até hoje eu não faço ideia da diferença entre os dois. E também sou da época que as tvs não tinham controle remoto. Ou seja, a criança de toda casa era o controle e meus pais sempre diziam a frase célebre "Rê, muda lá pra gente".

Daí eu não pude assistir muito a MTV nessa época, porque meus pais, mesmo moderninhos e roqueiros, queriam assistir o jornal ou o que quer que seja. A mim restava apenas os programas da Cultura, época de Rá-Tim-Bum e afins, porque meu irmão era ainda um bebê. Mas eu sempre soube a respeito da MTV, principalmente por causa dos amigos da escola.

Demorou um bom tempo pra que eu tivesse uma tv no meu quarto, mesmo porque eu não queria. ~arrependimento~. Eu, no auge da adolescência, me trancava no meu quarto e preferia muito mais meu aparelho de som e vibrava ao som do “dance” da época. Nem parava pra pensar que se eu tivesse uma tv poderia ainda acompanhar a música da moda e com o plus de conhecer seus clipes. Mas ok. Minha tv chegou no meu quarto aos 18 aos e, mesmo já tendo saído da adolescência, adivinha qual foi o canal que eu mais assisti na tv desde então? MTV, claro.

Foi também a exata época que eu comecei a namorar e por causa do namorado meu gosto musical se expandiu além das músicas internacionais que eu tanto gostava desde o início da vida. E aí também entrou a MTV. Ah, MTV e seu Piores Clipes do Mundo, o melhor programa que eu já assisti na tv. Que saudade. O auge do Marcos Mion. E eu nunca vou esquecer das performances dele imitando perfeitamente os clipes mais famosos da vida. E os erros de gravação dos clipes do Michael Jackson, que eu tanto amava. Só Marcos Mion "acabou” com tudo que eu curtia, mas foi com todo o estilo e eu amei. E a reboladinha i-gual-zi-nha à de Axl Rose em Patience? Amor.

Mas não foi só Marcos Mion que brilhou na minha admiração assistindo MTV. Penélope Nova e seu incrível Ponto Pê foi histórico. E eu nunca vou esquecer de algumas histórias hilárias que ouvi lá. Eu, no início da minha vida sexual. Penélope foi por muitos anos a minha VJ preferida. Porque tudo o que ela respondia quando as pessoas perguntavam absurdos era tudo o que eu diria se estivesse no lugar dela. Amo Penélope pra sempre. E esse será o nome da minha próxima gata, só por causa dela.

E João Gordo, tão incrivelmente falando tudo o que pensa. E Cazé Peçanha, que eu encontrei na Av. Paulista um dia, tão inteligente. E Marina Person e Top Top, um dos programas da MTV que eu mais gostei na vida. Morro de saudades quando escuto a voz dela no rádio hoje em dia, num programa que ela faz sobre músicas de cinema, copiado descaradamente do Movie MTV. Fernanda Lima no Fica Comigo, em uma época que eu nem sabia que um dia seria apaixonada pelo marido dela todo lindo cozinhando lindamente na GNT. Até de Cicarelli em Beija Sapo eu tenho saudade. Marimoon, a única pessoa do mundo que tem os cabelos coloridos mas que permanecem lindos, falando de internet e sentada toda linda naquela cadeira de plástico que vende em uma loja de móveis lá na Rua Augusta e custa R$ 1500,00 e eu namoro toda vez que passo na frente. E Dani Calabresa e Bento Ribeiro, gente? Melhor jornal que o Furo MTV não tinha. E eu assistia todas as noites. PC Siqueira, estreando essa coisa tão na moda agora de trazer pra tv programas que eram feitos inicialmente na internet. Até Bia e Branca, em programas tão xoxinhos, eu curtia só porque elas eram alegres e bonitinhas. E Cidão. E Chuck. E Sabrina (cuja qual eu quase morri quando Jon Bon Jovi se convidou descaradamente pra ficar na casa dela quando viesse ao Brasil). E Cuca. E Chris Couto. E Kika. E Kid Vinil, vindo diretamente de Clip Trip, citado no início desse texto. E Edgard. E Max Fivelinha, histórico. Paulo Bonfá e Marco Bianchi, totalmente excelentes.

Fudêncio que só se fode nessa merda, melhor desenho da tv. E Funérea, a animação que eu queria que fosse minha amiga, no Infortúnio, o melhor programa de entrevista que eu já vi. Me fez pensar até no que eu gostaria que estivesse escrito na minha lápide. Massacration, a banda de rock mais bizarra. Jackass, o programa mais absurdo. VMB, que eu não só assisti, mas votei e torci várias vezes. E o que dizer de todos os Acústicos, que eu amo e estou colecionando os DVDs (e quem quiser me dar algum eu vou amar, tá? Só pra constar eu já tenho Lobão, Gal Costa e Capital Inicial. E ainda quero Cássia Eller, Kid Abelha, Nenhum de Nós, Engenheiros do Hawaii, Barão Vermelho, Legião Urbana, Gilberto Gil, Titãs, Rita Lee, Paralamas, Roberto Carlos, Ultraje a Rigor e O Rappa)

MTV sempre foi o melhor canal da tv aberta. E quando eu não tinha tv à cabo na casa nova, era tudo o que eu assistia, o dia inteiro. Agora só torço pra minha Sky não cair. Do contrário não terei mais nada pra assistir. Agora ninguém nunca mais vai ver Caetano gritar “vamo botá essa porra pra funcionar”. Ninguém nunca mais vai ver João Gordo dar marretada na mesa por uma briga com Dado Dolabella. Ninguém mais vai falar da “puta falta de sacanagem”. Não passarei mais minhas tardes de domingo assistindo Rockgol, o seu único campeonato de futebol que eu curtia assistir.

Hoje eu posso dizer que, quando assisto o Saia Justa na GNT, minhas pessoas preferidas são Monica Martelli e Barbara Gancia. Mas eu tenho um carinho pela Astrid, só por ela já ter sido vj um dia. E fico feliz em assistir aquele programa fofo da Sara que ela entrevista artistas bacanas e até chorou quando entrevistou Rita Lee. E Mariana Weickert no programa também bacana sobre estilo que eu também não perco. Também sou feliz quando assisto aquele programa legal do Multishow e vejo que a Didi anda viajando bastante. E o que dizer da guinada meteórica de Tatá Werneck diretamente para a novela das oito da Globo? E mesmo Marcelo Adnet fazendo descaradamente uma cópia ridícula dos Micons de Marcos Mion no Fantástico, mas ok. Fico feliz em saber que ele está bem. Melhor está, sem dúvida, Dani Calabresa no CQC que eu ainda não vi, mas mesmo não sendo a melhor fase do programa fico feliz em saber que ela foi trabalhar num programa tão legal quanto os que trabalhava na MTV. E Paulo Tifenthaler, que pesquisando aqui, eu acabo de descobrir já ter sido vj. E agora eu o amo muito mais, além do Larica Total, o melhor programa de culinária atual da tv. Mas fico meio decepcionada quando vejo no que a Soninha se tornou. Fiquei querendo bater a cabeça na parede quando vi o João Gordo sendo um reles jurado num programa tipo Astros qualquer (certeza que foi Miranda quem levou, mas ele merece muito mais que isso). Mas, no mesmo programa, já acho ok assistir André Vasco. E o Legendários, gente? Vergonha alheia. Saudades do que Marcos Mion já foi um dia. 

MTV Brasil, sentirei saudades. :~

sábado, 8 de junho de 2013

O dia em que eu resolvi dar aula

Um dia normal. Eu acordei normalmente. Andei até o banheiro cambaleando normalmente como faço todos os dias. Escovei os dentes, troquei de roupa, passei maquiagem, tomei café e fui trabalhar. Peguei o metrô, andei alguns quarteirões, passei o crachá na catraca, chamei o elevador, abri a porta, sentei na minha cadeira e liguei a tela do computador pra ler meus e-mails. Como faço todos os dias. E então eu abri o e-mail que mudaria totalmente o meu conceito sobre dar aulas na vida.


Eu nunca quis dar aulas. Nem pra alunos, nem pra amigos, nem pra ninguém. Quem me conhece (e tem uma pessoa perdida no mundo que me conhece MUITO nesse sentido) sabe que eu pra explicar alguma coisa pra alguém sou a maior lástima da face da Terra. Mas tem um motivo: eu nunca tive dificuldade na escola. Eu sempre fui bem em todas as matérias. Meu boletim era todo azulzinho e as minhas menores notas, aquelas em que eu ia mal mal MAL mesmo (tipo Geografia e História) eram 6 ou C. E eu nunca fiquei de recuperação nem de DP na minha vida. Ou seja: eu sempre entendia as matérias. Os conteúdos. Eu entendia quando os professores explicavam. Minha matéria preferida era matemática e eu sempre achei fascinante como era lindo a gente fazer páginas e mais páginas de uma única conta e no fim, adivinha: o resultado era o certo. Tudo muito bom, tudo muito bem. 

Eu nunca tive dificuldade em aprender nada (até hoje eu aprendo as coisas com facilidade e muitas vezes sozinha) e por isso mesmo nunca entendi as pessoas que têm. Esse povo que pergunta milhares de vezes a mesma coisa. Aqueles que o professor explica tudo cinco vezes e a pessoa ainda vai mal na prova. Gente que tem dificuldade mesmo, mas quando eu estava na escola achava que era só burrice. E talvez eu ainda ache. Não sei. Sei que eu, que nunca tive dificuldade, também nunca tive paciência com quem tem. E quem estudou comigo sabe muito bem que eu entendia tudo da matéria e até tentava explicar para os colegas que não entendiam. E eu explicava uma vez. Duas. Três. E se a pessoa ainda não tinha entendido, a minha reação era sempre "dá aí que eu faço pra você". Eu não tenho paciência pra explicar nada. Eu entendo tudo lindamente, mas na hora de tentar fazer alguém entender também eu sou capaz de bater pra ver se a pessoa fica mais esperta e entende. Eu tenho a delicadeza de um elefante na hora de explicar alguma coisa pra alguém.

Talvez por isso eu sempre achei lindas as pessoas que ensinam. Talvez por isso eu lembre até hoje das primeiras professoras que eu tive, lá no Jardim I. E de todas as que se seguiram depois. Talvez por isso eu lembre da admiração que eu tinha pela professora de matemática mais incrível dessa vida. E da de português, que era a simpatia em pessoa. E da professora de história que parecia ser amiga de Dom Pedro. E da de ciências que contou pra minha mãe que eu estava cabulando aula. E da de educação física que pegava horrores no meu pé. Todas, boas ou ruins, incríveis e enormemente importantes em toda a minha vida. Todas me ajudaram a ser o que eu sou hoje. E se eu me orgulho do que sou hoje, eu devo grande parte disso a todas elas. 


Na hora que eu abri meu e-mail, meu coração palpitou. Em um e-mail de atitude social da empresa, estava o convite para participar de uma ação de voluntariado para dar aulas de ética em uma escola pública. E, em meio a erros no nome da escola que eu quase liguei para o RH pra pedir pra corrigirem, estava lá: a MINHA escola. O nome que por tantos anos estampou a camiseta do meu uniforme. E as minhas provas. E  estampa até hoje o meu histórico escolar. O meu currículo.


Mas, mais importante que isso, estampa também o meu coração. Estampa a melhor fase da minha vida. Estampa o melhor ano da minha vida. Estampa tudo o que eu aprendi lá além das aulas e das matérias. Estampa as tantas fugidas da aula. Os tantos namoricos. As tantas vezes que eu briguei e fiz as pazes com amigos e primeiros namorados. Estampa o tão falado "atrás da escola", onde tudo acontecia. Estampa meu desenvolvimento humano, pessoal. Meu relacionamento com tudo e com todos. Meus primeiros medos, minhas primeiras responsabilidades e também minhas primeiras irresponsabilidades. Meus pensamentos a respeito de que tipo de pessoa eu queria e que tipo de pessoa eu não queria ser. E cada cantinho daquele terreno que fará pra sempre parte da minha vida e da minha história. Cada vez que eu sentava na escadinha ouvindo meu Bon Jovi no meu walkman e à espera de tudo o que ainda viria na minha vida. Tantas coisas. 

Saudade. Saudade de tudo. Saudade de todos. Saudade daquela escola. 


Uma vez alguém disse (deve ter sido a Tary) que acha legal em mim que eu gosto de tudo o que é meu. E é mesmo verdade. Eu gosto da minha vida, das minhas coisas, das minhas pessoas, do meu país, da minha comida, da minha história. E não trocaria nada do que eu tenho por nada do que as outras pessoas têm. 


Eu estudei em algumas escolas na vida e todas têm o seu espaço no meu coração e minha respectiva saudade. Mas duas delas são mais importantes por eu ter passado mais tempo da vida (e consequentemente  aconteceram mais mudanças em mim mesma enquanto eu as frequentava). Uma delas é essa em que eu fiz o colegial (chamava assim na minha época, mas hoje até já mudou o nome pra "ensino médio").

Estudei lá dos 15 aos 17 anos. Primeiro, segundo e terceiro colegial, os melhores anos da minha vida. Eu passei, naquele prédio e debaixo daquelas árvores e correndo da professora de educação física naquelas quadras e cantando pagode com as amigas naquele pátio, a minha adolescência incrível. Faz tanto tempo que até parece que foi em outra vida. Mas é tanta saudade que às vezes eu até sonho que estou lá. Naquela época. Naquele lugar.

Eu sou muito-muito-muito grata à minha mãe por ter me colocado pra estudar em escolas públicas nessa vida. Não sei se hoje é a melhor opção, mas naquela época eu tive até que fazer prova pra entrar nas minhas escolas, porque não era qualquer um que entrava. Tinha maracutaia, precisei de um endereço falso. Minha mãe ficou na fila da vaga da escola de madrugada e eu tive a sorte de ser sorteada (sorteio mesmo, tipo bingo, com comemoração e tudo) pra estudar lá. Era uma época em que as escolas públicas eram muito melhores que as particulares e conseguir uma vaga em algumas era semelhante a passar na Fuvest. Eu consegui. E além de ter podido estudar nas melhores e mais famosas escolas da época (todo mundo da região conhece até hoje a fama das melhores escolas públicas de todos os tempos), eu aprendi também a lidar com o mundo. Porque é sim uma escola pública, mas é no Morumbi. Ou seja, tinha alunos desde os mauricinhos e cheios da grana do Morumbi, até o pessoal mais humilde do Capão Redondo. Nas minhas escolas da vida eu aprendi não só as matérias, mas também a lidar com todo tipo de pessoas. E foi lindo.


Eu não tive dúvidas quando cliquei em "aceitar" no meu e-mail de voluntariado pra dar aula na MINHA escola. E essa semana eu darei aulas pra adolescentes de 15, 16 e 17 anos, exatamente as idades que eu tinha quando vivi os melhores anos da minha vida, em 1995, 1996 e 1997. E então, pensando nisso, me dei conta de que, enquanto eu estava lá na minha escola vivendo tudo aquilo que foi tão bom e tão memorável, havia pessoas nascendo. Pessoas nascendo, naqueles anos tão mágicos da minha vida. E adivinha: são exatamente para essas pessoas que nasceram naqueles anos, que eu vou dar aulas. Eles têm exatamente a metade da minha idade. E estão nos anos mais memoráveis das vidas deles. 

Eu vou chegar lá, com roupa social e sapato de salto, ser olhada e questionada por olhos curiosos e cheios de perguntas. Olhos de moletom e camiseta branca. Olhos que eu tinha enquanto estava na idade deles. E então, quando eu paro aqui pra pensar se vou ter medo ou não de dar aulas para adolescentes, lembro como eu era, há exatos 16, 17 anos, quando chegava alguém de social e salto alto na escola. Eu tinha curiosidade. Tinha medo. Fazia cochichos de "nossa, quem será que é e o que veio fazer aqui?"

Estou ansiosa pra poder dizer pra eles que eu sei como é. Que sei o que é. Que conheço cada um daqueles cantinhos daquele que não é um simples prédio. E que, lá fora, naquela árvore, ainda está escrito o meu nome, que eu cavei com uma caneta pra deixar marcado no caule. Que eu estudei lá, conheci a diretora mais famosa da história da escola e que ela era fazia sim uma escola inteira e milhares de adolescentes andarem na linha. Porque ela conhecia todos eles pelo nome.

Quero dizer pra eles que estudar lá foi uma das coisas mais importantes que eu fiz na vida. E que me trouxe mais tantas outras coisas importantes que tive na vida. E hoje eu sou o que sou também porque estive lá enquanto eles estavam nascendo. 


terça-feira, 23 de abril de 2013

Meu pé de laranja lima

Eu devia ter bem uns 10 anos. Me lembro vagamente que foi da minha avó e madrinha que eu ouvi falar sobre esse livro. Ela tinha, entre outros do mesmo autor, um livro encapado com contact de estampa de madeira. Ou seja, o primeiro livro pelo qual eu me apaixonei na vida não tinha uma capa. Engraçado pensar que eu quase sempre escolho um livro pela capa, mas o meu primeiro livro não tinha uma. 

Algum pouco tempo depois me lembro de meus pais dizendo que eu podia escolher um livro pra levar pra mim. Devia ser em uma livraria, mas eu não lembro. Lembro que vi, em um livro pequenininho, o desenho de um menino sentado em uma árvore. E reconheci nesse livro aquele nome que tinha ouvido a minha avó falar sobre: Meu pé de laranja lima. Peguei esse e meus pais me elogiaram dizendo que eu não poderia ter escolhido um livro melhor, apesar de tão pesado para a minha idade. Mas que eu ia gostar.

Eu sou hoje uma pessoa que se acaba na estante de livros estrangeiros em uma livraria, mas que fique claro que meu primeiro livro de verdade foi um livro de um autor brasileiro. José Mauro de Vasconcelos tem um sobrenome igual ao meu. E é claro que aos 10 anos eu já sabia que de um Vasconcelos sempre pode sair uma coisa bacana. Quando a gente quer.

Eu tinha uns 10 anos mas me lembro de ter lido as mais de 100 páginas sem figuras quase que de uma vez. E em meio a uma história tão infantil, mas tão carregada de densidade, eu me identifiquei em algumas passagens. E chorei. Meu pé de laranja lima se tornou ali o meu primeiro livro preferido da vida. Foi Meu pé de laranja lima que despertou em mim o gosto pela leitura.  Gosto esse que se aprofundaria tanto que poucos anos depois eu teria lido todos os livros da biblioteca da escola.

Meu pé de laranja lima é uma história ao mesmo tempo inocente e complexa. História mesmo, porque José Mauro de Vasconcelos se baseou em sua própria infância pra escrever o livro. Carregada de pequenas alegrias e tristezas. Tão do tamanho dos 7 anos de Zezé. E eu, tendo tido aos 10 anos esse como meu primeiro livro favorito da vida, o que mais poderia se esperar de mim senão todo gosto pela melancolia que eu tenho hoje?

Li Meu pé de laranja lima bem umas 10 vezes nessa vida. E chorei em todas elas. Bem eu, que não costumo chorar, me debulhei em lágrimas. Bons livros são os que me fazem chorar.

Mais de 20 anos depois de ter lido meu primeiro livro favorito da vida, resolveram fazer um filme. E lá fui eu assisti-lo. Sozinha, pra chorar o quando eu quisesse. E assim foi. Começou o filme e logo depois da apresentação do patrocínio da Petrobrás, começou a musiquinha e o letreiro com os nomes dos autores. E então minha gente, já foi ali que eu comecei a chorar. E assim foi durante todo o tempo do filme, que eu nem sei quanto durou porque eu estava ocupada chorando. E eu levei uma coca cola e uns salgadinhos na bolsa pra comer ao invés de chorar, mas de nada adiantou. Cinco minutos de filme e eu lá soluçando cheia de salgadinho e aquela coca cola nunca esteve tão salgada. Estava vendo a hora que a outra meia dúzia de pessoas que estava vendo o filme comigo ia vir perguntar se eu estava tendo algum problema. 

Saí com a gola da blusa molhada. O rímel borrado. O nariz vermelho. A calça caindo. O cabelo despenteado. O ápice da falta de sensualidade da mulher brasileira. Mas cheia de consciência do meu estado deplorável, saí do cinema de cabeça baixa e corri pro estacionamento pagar e ir embora. No caminho de casa, fiquei pensando na vida. Nas dores da vida. Nas tristezas da vida. Na densidade da vida. E tudo isso aliado a alguma música melancólica que estava tocando no rádio, chorei de novo. E então a luz do painel piscou. Gasolina. Ok, carro, vamos abastecer. 

Cheguei no posto com a cara vermelha, descabelada, rímel borrado. E eu não sei porque os flanelinhas precisam olhar pra gente pra saber o que a gente quer "moçooo snif boa noitee snif bota cinqüenta reais de gasolina comum snif". 

Foi a gasolina mais cheia de compaixão que meu carro já recebeu na vida. 


O MEU pé de laranja lima

Obs. 1: Se você tem ou ainda vai ter um exemplar de Meu pé de laranja lima dado por mim, saiba que o que eu te dei não é só um livro simples e cheio de ternura. É também um pedaço da minha história e do meu coração.

Obs. 2: José de Abreu, eu sempre te achei bem mais ou menos. Mas agora, depois de interpretar o Portuga, talvez o meu personagem preferido da literatura, você vai ter minha admiração pra sempre.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Uni duni tê

Cinco anos de vida. Era a idade que eu tinha quando ganhei esse disco. DISCO. LP. Esse bagulho antigo que hoje em dia você só acha em feiras de antiguidade e que mesmo que resolva comprar você não vai conseguir tocar a não ser que tenha uma VITROLA em casa. Coisa que não vende mais há bem uns 20 anos.

Parece que eu ganhei foi adiantado, pelo meu aniversário de 6 anos. Aquele que meus pais resolveram sair pegando todas as crianças da rua pra participar. Não, não eram crianças DE rua. Eram as crianças da vizinhança. E eu lembro bem de estar dentro do carro, no banco da frente, no colo da minha mãe, porque lá no banco de trás devia ter bem umas 30 crianças enfurnadas umas nas outras. Meus pais resolveram naquele dia me compensar por fazer aniversário em 26 de dezembro. E foi a única vez na vida que eu tive mais de 30 pessoas que não eram parentes na minha festa. Eu não conhecia mais da metade e a outra metade só via de vista passando na rua. Porque eu não era uma criança que podia brincar na rua.

Engraçado pensar que eu tive uma festa de aniversário cheia de gente desconhecida. Eu, essa criatura seletiva que sou hoje. Meus pais então, que será que deu na cabeça deles pra fazerem isso? Quem conhece eles hoje nunca imaginaria que seriam capazes de ter um trabalhão desses. Mas tiveram. É a loucura dos 20 e poucos anos. Eles eram mais novos do que eu sou hoje quando eu estava fazendo 6 anos de idade.

Daí a minha festa foi superlegal, eu nem me importei que a maioria dos neguinhos eu nem conhecia. Eu gostei foi de ter a festa cheia de crianças. E tenho fotos pra lembrar da minha avó sentada no meio deles ensinando todo mundo a brincar de corre-cotia. Ah, tempos remotos em que não existia video game. 

E, no fundo de tal festa memorável, o disco que eu havia ganhado alguns dias antes. Trem da Alegria. O primeiro disco que eu ganhei na vida. A primeira demonstração de música que eu lembro de ter ouvido na vida (fora as musiquinhas tipo Atirei o Pau no Gato que eu aprendia na escola). E gente, como eu gostava! Sempre soube de cor todas as músicas do disco, porque eu passava boas horas cantando todas junto com o encarte (porque eu aprendi a ler aos 4 anos, beijo). 

Meu pai tinha menos que 30 anos na época e costumava me acordar ao som de Guns 'N Roses, que eu odiava (minha mãe tava trabalhando nessa hora, então pai serve pra te zoar). Foi bem nessa época que eu aprendi a acordar de mau humor. Mas raramente, BEM raramente mesmo, às vezes ele botava lá o disco do Trem da Alegria pra eu acordar feliz. E nossa, são tantas vezes que eu me lembro de brincar no quintal com meu triciclo (eu tinha um igualzinho ao do Quico) cantando junto com o disco as músicas!


Cresci. Agora Guns 'N Roses pra mim é totalmente audível. E minha infância ficou lá atrás, junto com meu repertório de músicas do Trem da Alegria. 

Mas sexta feira eu fui no aniversário da Lilica, em uma balada aqui em SP. E eu não sou muito adepta à diversão da Vila Madá, mas fui lá. Fui pela Lilica, mas também porque ela já tinha me dito quem ia tocar. 

Luciano. Não vem ao caso qual é o sobrenome dele, mas não é o do Zezé di Camargo. Luciano pra mim é só Luciano desde sempre, desde quando era conhecido como o integrante mais bonitinho do Trem da Alegria. Todas as meninas amavam e diziam que era o namorado delas. Eu ainda não estava nessa pegada de "namorado", mas entendia bem que eram as rebeldes que curtiam o Luciano, já que a preferência geral da nação eram os Menudos. Luciano tinha os cabelos lisos e em formato de tigela mas eu, preferencialmente (e não mudei meu gosto desde então) sempre preferi o Juninho Bill. Mais feinho, porém mais divertido, mais animado e mais safado. Ah, meu gosto para homens.

Luciano, baixinho, barrigudinho e descabelado, entrou no palco e cantou umas músicas estranhas lá. Cantou Nirvana. Cantou Aerosmith, Maroon 5. Cantou Legião Urbana e Jota Quest. Lilica me contou que antes que eu chegasse ele cantou até Bon Jovi. Eu comentei que ainda bem que não estava lá, porque eu odeio todo e qualquer sósia do Bon Jovi. Pra mim tem que ser só o original. Tava tudo muito estranho naquele lugar. Até Luciano encerrar o show cantando Uni Duni Tê e He-Man.

Daí, minha gente, eu senti a emoção. Um integrante do meu primeiro grupo musical preferido. Ali, na minha frente. Cantando a música que eu cantei ao longo de tantos anos. Olhando pra mim. E ah, que saudades do Juninho Bill. E da Patrícia Marx. Mas não, eu não chorei. Nem descabelei. Nem gritei. 

Eu senti foi o peso. O peso da idade nas costas.

Ai que coisa. É chato pensar em como o tempo passa, né?

Sim, "esse cara sou eu". 
E sim, eu ainda tenho o LP do Trem da Alegria. É, aos 33 anos.
O Luciano é aquele ali com o macacão azul e camiseta amarela.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Minha vida no Playcenter

É com muito pesar que, acabada de chegar no trabalho, 6h da manhã, leio que o Playcenter fechou ontem pra sempre.

Dezembro de 1987. Eu estava fazendo oito anos. Lembro de estar com o vestido xadrez que vovó fez pra mim. E de maria-chiquinhas, que minha mãe insistia em arrancar metade dos meus cabelos enquanto fazia. As crianças de 8 anos eram crianças naquela época. Filha única. Meus pais me levaram no Mc Donald's, que eu amava. Comi um cheeseburguer, de um Mc Lanche Feliz que ainda nem existia. Mas era o que eu aguentava comer. Big Mac pra mim era algo muito além do meu apetite. Umas 30 vezes além. 
Lembro de ter comido e pensado que o dia estava feliz. Eu tinha comido o que eu mais gostava, meu aniversário havia sido feliz. Estava pronta pra ir pra casa e começar mais um ano de vida, me preparando para a terceira série que começaria dali a um mês. Mas o carro demorou pra chegar em casa. E eu me vi em uma rua muito movimentada, em que dali mesmo eu via ao vivo a primeira montanha russa da minha vida. E eu sabia que estava no Playcenter. Que eu só via na tv. E que apesar de meus primos me contarem que iam sempre a cada quinzena, eu nunca tinha ido. Lembro até hoje do frio na barriga de emoção que senti assim que meu pai estacionou o carro.
Era meio dia e eu pensava que já tinha perdido muito tempo de vida ali fora esperando meu pai comprar os ingressos. E ele demorou bem umas duas horas na fila, debaixo de um sol escaldante. Hoje pensar nisso me dá um pouco de dó. Mas naquela época ele tinha 30 anos. Dois anos a menos do que eu tenho hoje. E dava bem pra ele ficar 2 horas na fila de um parque de diversões com um monte de adolescentes gritando em volta, vai. Ou não.
Eu, sentada com a minha mãe na calçada, pensava durante esse tempo em tudo que eu ia poder aproveitar lá dentro. Porque eu já tinha ido nesses parquinhos de shopping. No único shopping que devia ter em São Paulo naquela época. Sei lá. Enfim, eu ia às vezes. E achava extremamente monótono. Ai que carrossel monótono. Ai que brinquedinho das xícaras monótono. Eu queria era ir num brinquedo alto, que subia e descia uns 3 metros de altura, sei lá. Devia ser uma nave espacial. Sei que era alto e ninguém nunca me deixava ir. Mas um dia, com a graça divina, alguém me deixou ir. E então a minha vida mudou pra sempre. E então eu passei a amar a altura. E nem sonhava que muitos anos depois eu ia querer um apartamento no vigésimo segundo andar. Mas foi ali que meu gosto e minha mania por grandeza se formou.
A minha primeira vez no Playcenter foi um dos melhores aniversários da minha vida, senão o melhor. E graças às fotos que eu tenho, posso lembrar e ter flashes de memória de como foi o dia. Lembro do meu frio na barriga infinito de andar no teleférico, que era realmente muito, muito alto. E ia devagar. E tinha uma trava xexelenta. E eu pensava o tempo todo que ainda bem que eu era uma criança quieta, porque um capeta com certeza cairia dali. Eu lá olhando o horizonte e pensando "meu Deus, mas é impossível que ninguém nunca tenha caído daqui" e "melhor eu me segurar, porque se depender do meu pai que é meio lerdo eu tou perdida". Naquela época meu pai já tinha me afogado na praia bem umas trezentas vezes. Imagina.
Lembro de ter ficado com medo de ir no tobogã, e na verdade eu não sei se fui. Acho que sim. Ou talvez não. Não tem foto do tobogã pra comprovar. Lembro de ter ido no trem fantasma (que eu achei a decoração do lado de fora enorme e linda, e por isso insisti pra ir) com a minha mãe, e não saber direito se as caveiras que levantavam do chão ou roçavam no meu cabelo eram de verdade ou não. Eu só lembro que tive muito-muito-muito medo. E a minha mãe me dizia pra fechar os olhos. E eu não entendia como assim eu ia no negócio e ia fechar os olhos. Qual a graça de ir com os olhos fechados? Eu tava mesmo morrendo de medo. E lembro da minha mãe dizendo constantemente "é de mentirinha, é de mentirinha. AAAAAAHHHH. É de mentirinha." Ela tinha 27 anos. 
E o Super Jet. Ah, o Super Jet. Aquele brinquedo que tinha a maior fila. Devia ser a primeira montanha russa do Brasil. E eu queria ir. Mas depois do medo que passei no trem fantasma, meus pais conseguiram me segurar pra não querer ir lá. Em compensação eu fui no Chapéu Mexicano. Era literalmente meio que um chapéu, com carrinhos em volta. Ou aviõezinhos, sei lá. Ou chapeuzinhos. Sei que era um negócio grande e que rodava. Pra cima e pra baixo, pra cima e pra baixo. E rodava. E era rápido. E hoje eu penso que, se no meu lugar, estivesse o irmão que naquela época eu nem sonhava que ia ter, ele tinha vomitado geral na nação bem naquele estilo O Pestinha. Mas eu não. Eu nunca fui de passar mal em brinquedo de parque de diversão. Eu achei foi bem supimpa. E gargalhei todo o percurso, porque sentia frio na barriga. Uma das melhores sensações da minha vida naquela época. Minha mãe lá, do meu lado, com medo. E eu gargalhando. 
Eu fui no elefantinho. Era meio que um brinquedo que subia e descia também, porém bem mais retardado. Pra criança mesmo. Ia devagar. Monótono. Ai que sono. Mas eu lembro que quando eu fui entrar no brinquedo, que tinha vários Dumbos que a gente sentava de duplinha, na hora que eu fui subir tinha um imbecil de um menino no caminho. Que não me dava passagem pra subir. Meninos, sempre retardados. Ele não queria sentar do outro lado porque, sei lá, onde ele estava devia ter um volante. E a criatura empacou ali bem no meu caminho e não saiu. E eu lembro da minha mãe dizendo então pra eu pular e sentar do lado dele. Eu fui. E fiz questão de sentar nele antes, pisar no pé dele, enfiar o cotovelo na cara dele. E da minha mãe reclamando que eu estava de saia, que isso não eram modos, que eu passei a bunda na cara dele, que isso não pode, que ele é menino, que eu tinha que tomar cuidado. Ah, pro meio da beirada. Criatura lerda, pelo menos eu me vinguei. Até parece que eu tava preocupada em mostrar a calcinha. Eu tava era querendo mostrar pra criatura o quanto ele estava empacando o meu caminho. Ah, como eu já era eu aos 8 anos de vida.
Achei o elefantinho a coisa mais monótona do mundo todo. Mas da Montanha Encantada eu gostei. Porque tinha a emoção de ser na água. E eu estava mais preocupada se o barquinho ia afundar com a gente em cima, do que com os bonequinhos mexendo em si. Mas só de lembrar desse dia eu até consigo ouvir a musiquinha: "Na montanha. Encantada. Você. Vai ser. Feliz!"
Na fila da Montanha Encantada eu lembro de ter passado bem umas duas horas. E da minha mãe, arrumando o meu cabelo, todo em um rabo de cavalo. Porque eu estava suada. E lembro do fato porque ela tirou uma foto minha nesse momento, com a cara brilhando, o pouco cabelo repuxado pra trás. Minhas olheiras características, minha testa avantajada. Mas com um dos sorrisos mais felizes da minha vida.
Parece que eu fui na Maria Fumaça. Mas não lembro direito. Não lembro se não deu a hora de ir. Não lembro se a gente perdeu o último horário. Não lembro. Só lembro que ela passava por um lugar arborizado. E que o Playcenter era muito, muito grande. E que eu achava cansativo ir de um lado a outro, não que reclamasse de cansaço, mas que eu estava sempre olhando em volta e sempre era diferente. Demorava horas pra irmos de um lado a outro do parque. Também não sei se eu fui no Carrossel não. Esses brinquedos monótonos não ficaram na memória.
Lembro que a gente foi num show. Que eu não sabia que era um show, pra mim era um evento normal. Que tinha uma piscina enorme no meio, e arquibancadas em toda a volta. E a gente chegou e meus pais disseram "nossa, que supimpa, tem lugar na frente!" e a gente sentou. Eu olhava em volta e via as pessoas sentadas bem lá mais pra trás. E eu achei estranho. Sei lá, vai que aquele lugar que meus pais resolveram sentar era mais caro. Eu fiquei sentada ali, mas com o pé meio atrás. O show começou e eram baleias, golfinhos e eu senti toda a emoção da vida de ver orcas dançando e fazendo malabarismos. Coisa mais linda. Mãe, quero uma orca pra levar pra casa. Mas minha filha, ela é a baleia assassina! É nada mãe, olha que bonitinha. Olha que barriga branquinha, ela até vira com a barriga pra cima para o moço fazer carinho! E no primeiro pulo que a orca deu na água, descobrimos porque é que tinha lugar na frente na arquibancada. E porque é que todo mundo estava lá atrás. Nós saímos ensopados. E eu achei foi bem legal, já que na Montanha Encantada eu tinha visto que todo mundo que ia saía ensopado e eu não saí. Mas a minha mãe não gostou nada, e começou naquela neura de tem que secar ó meu deus vai ficar resfriada e com dor de garganta. Enfim, neurose infinita da minha mãe naquela época.
Lembro da noite chegando. Lembro de entrarmos em um lugar com lona e cheio de gente. Lembro de meu pai me colocar nos ombros, pra eu ver melhor. Lembro da mulher que fez alguma coisa no palco. Lembro de ter visto a galera. Lembro de terem prendido ela na jaula. Lembro de ter acabado a luz. E lembro de ter saído a Monga. E foi um dos maiores desesperos da minha vida. Lembro que eu fiquei MESMO com um medo infinito. Lembro de ter gritado e chorado e desesperado e esperneado. Eu tava mesmo com muito medo. E meu pai me pegava e falava que era de mentira, que a mulher tinha vestido roupa de macaco, que era só um show e que era pra eu parar de frescura. Mas não teve jeito. O meu susto foi tão grande que tiveram que me tirar dali. Onde já se viu. Apaga a luz e de repente tinha um macaco rugindo e todo mundo gritava desesperadamente. Desculpa, isso não era pra mim. Me bota na montanha russa, please.

Ah, que dia inesquecível. 

Eu voltaria para o Playcenter em só em 1995, depois de milhares de excursões da escola que a minha mãe não me deixaria ir. Eu até já sabia da resposta quando ia perguntar, mas me surpreendi quando foi a do primeiro colegial. "Esse ano eu vou deixar, você já tem 15 anos, se comporte, olhe lá, estou te dando um voto de confiança, não apronte, não tome gelado, leve a blusa, vê se não vai se machucar pra me dar trabalho depois, se você tomar sorvete e voltar com dor de garganta eu te arrebento". Eu nem dormi na noite anterior, de ansiedade. Quinze anos. E naquela época eu era só uma adolescente, recém aposentado minhas bonecas, achando esse negócio de TER QUE gostar de um menino uma merda. E pensar que hoje as meninas de 15 anos já são experts em sexo. Naquela época ainda demoraria muito pra existir máquinas de foto digitais, então não tenho foto pra lembrar dos pequenos momentos. Porque as máquinas de foto eram caras, porque os pais não davam esses negócios nas nossas mãos. Mas lembro de ter ido no ônibus, na maior bagunça, de ter ficado o tempo todo de joelhos no banco conversando com as amigas atrás no maior clima "olha como eu sou radical e descolada, ando no banco do ônibus de joelhos e virada pra trás". Não, naquele tempo o cinto de segurança não era obrigatório. Lembro de, agora sim, ter ido no Super Jet. E no Tornado, que cabia seis pessoas e era bem mais rápido. E no Barco Viking, no meio, segurando muito e morrendo de medo do negócio dar um looping. E no La Bamba, que era um brinquedo novo e uma das maiores sensações do parque na época. Lembro que o pessoal não se segurava direito e depois ficava pulando no meio do círculo. E no Tobogã, que agora sim eu lembro de ter ido. Nossa, como era alto. Nossa, que frio na barriga. Lembro de ficar na fila de sei lá qual brinquedo, mas naquela época tocava dance music nas filas. Uma música em cada fila diferente. Era o auge do La Bouche, e eu amava. Porque o menino que eu gostava era promotor (ainda não existia essa coisa de "promoter") do Resumo da Ópera. Eu amei. Eu tomei sorvete. Eu fui na Montanha Encantada e saí ensopada porque tudo o que a gente fazia era jogar água uns nos outros. E eu passei o resto do tempo no parque e no sol rezando pra minha roupa secar antes que eu chegasse em casa. E, quando secou, nós fomos no Splash. E eu saí mais ensopada ainda. E, quando cheguei em casa, roupa molhada, minha mãe comentou e eu falei "não mãe, tou seca, são seus olhos". No ano seguinte teve de novo a excursão para o Playcenter, mas dessa vez minha mãe não me deixou ir. "Você já foi ano passado, pode botar esse rabinho entre as pernas e estudar, ano que vem você tem vestibular!". Mas não teve problema não. Porque todo mundo foi, mas eu não. E eu não estudei. Fiz coisa melhor. 

Playcenter de novo pra mim foi de novo com os pais. Porque eu pedi um aniversário de 18 anos no Playcenter. Não, eu não queria na balada (e não reclamem, porque meu aniversário de 20 anos foi no Parque da Mônica). Mas, no aniversário de 18 anos, eu quis um plus: os dois tios, com idades próximas à minha. 
Eu nem lembro muito dos brinquedos que fomos dessa vez, mas lembro que foi a minha primeira vez no Evolution. Que eu fiz tanta força, mas tanta força pra me segurar SENTADA na cadeira, que passei depois 1 mês com dor nos braços. E lembro que foi um dos dias mais aterrorizantes, porém mais engraçados da minha vida. Foi o dia que eu fui no Castelo dos Horrores.
Meus pais, meu irmão com 7 anos. O tio com 15, a tia e eu com 18. A construção do Castelo dos Horrores era linda, eu sempre achei. E eu não me lembro muito bem como foi que decidimos entrar lá. Só lembro da ordem da fila. Meu pai ia na frente. Pai de família. Corajoso. Homem. Meu irmão, logo atrás, porque ia entre ele e minha mãe, já que perder uma criança de 7 anos no escuro não devia ser bacana. O tio, atrás da minha mãe. Eu em seguida, porque quis ficar no meio da fila. Eu não queria de forma nenhuma ser a última. A tia atrás de mim. Pra eu ficar bem protegida por trás. E um casal desconhecido atrás da gente, pra garantir que nenhum de nós fosse o último da fila. A entrada do Castelo era aquela coisa emocionante. O homem do cajado. Que gritava, mandava todo mundo encostar na parede e parar de respirar. Eu, como o via, tive um leve frio na barriga, mas não cheguei a ficar com medo. A tia não foi tão feliz. Amarelou. Logo de cara. Disse que não queria mais ir. O cara do cajado: "fique aqui então, vou te botar no caixãozinho lá atrás". E ela ficou. E meu pai preocupado. E minha mãe: deixa, essa já morreu, vamos cuidar dos vivos. E logo em seguida eu ia descobrir que esse era realmente o espírito dentro do Castelo. O espírito de sobrevivência. Do salve-se quem puder. 
Eu tinha perdido uma das pessoas que me seguravam pela traseira, mas ainda tinha um casal desconhecido atrás de mim. Meu pai, na frente, andando bem devagar. "Ooolha, que bonitinho". "Ooolha isso aqui, que legal". "Ooolha que vampiro, que simpático." "Olha a moça, tá dormindo!". Meu pai, como ia na frente, maior breu, ia devagar pra não cair. Ia devagar porque estava achando tudo lindo, porque ele era o primeiro e, quando passava, os monstros estavam todos imóveis. E tinha uma criança. Conclusão: os monstros só levantavam e começavam a correr atrás da gente quando estava mais ou menos na metade da fila. Só levantavam e começavam a correr atrás da gente quando EU passava. Foi lindo. Meu pai lá no "ooolha o degrauzinho" e eu correndo feito desesperada lá atrás. Porque eu, que tava crente que não era a última, uma hora olhei pra trás e o casal já tava lá na frente. Na frente do meu pai ainda. Porque eles queriam correr. E eu, olhando pra trás, vi todos os monstros atrás de mim de uma vez. E meu pai lá na frente "caaalma, vai acordar a moça". Mano. Eu nunca vou esquecer daquela sensação. Eu ia morrer. Eu tinha atrás de mim todo um cemitério, era vampiro, era menina do exorcista, era lobisomem, era tanto monstro que eu perdi a conta. E eu não tinha pra onde correr. 
Se eu tivesse que desmaiar nessa vida, tinha sido ali. 
Sei que uma hora eu tava olhando pra frente, rezando pra acabar logo o fim da tormenta, de repente todo mundo andando em frente e meu tio resolveu virar à esquerda. Eu vi. Não falei nada. Segui em frente e pensei "mais um que se vai". Depois ele nos contou que acabou batendo numa velha que saiu com a vassoura atrás dele, mas mais um pouco lá pra frente ele conseguiu nos encontrar. Bem no Jason e sua serra elétrica. E o tio dessa vez perdeu o tênis. E eu lembro que todo mundo saiu do castelo, ficamos só eu e o tio lá trocando ideia com o Jason e sua serra elétrica. Ele com a serra na gente ZZZZZZZZZZZ e a gente "mas moço, perdemos um tênis!!!".
Passado tanto medo e tanto susto, até hoje, quando a gente comenta daquele dia, é só risada. Foi mesmo um aniversário inesquecível.
Eu voltaria ao Playcenter e, mais especificamente, ao Castelo dos Horrores em 2002. Desta vez, com o namorado da época e o primo dele, dentro do Castelo foi emocionante tanto quanto e eu trocaria ideia novamente com o Jason e sua serra elétrica. Porque ali eu caí. E o namorado, tão me amava, tão era apaixonado por mim... que saiu correndo castelo afora e nem quis saber se eu tinha morrido pelo caminho. O primo, atrás de mim (porque apesar dos 22 anos eu continuei querendo ir protegida na frente e atrás - e o fui falando na orelha do namorado, primeiro da fila, pra andar logo porque atrás vinha gente), tentava me levantar, sem sucesso, porque ele me puxava por trás e não me deixava apoio pra tentar levantar. Ele nem me levantava, nem me deixava levantar sozinha. E ainda tirava a minha roupa, porque na tentativa de me levantar foi subindo a minha blusa. Conclusão: eu, caída, pelada. E o Jason com a serra elétrica na minha orelha, que eu até senti o ventinho. Esse Jason deve mesmo ter tido muitas histórias pra contar em todos esses anos de Playcenter. Este ano eu quis ir porque apesar de ter quase morrido de medo algumas vezes na Hora do Horror do Hopi Hari, eu nunca tinha ido nas Noites do Terror do Playcenter. E achei infinitamente menos elaborado. Sem tema específico. Meio bagunçado. E com as maquiagens dos monstros mal feitas. 

Depois dessa vez eu devo ter ido mais umas duas vezes no Playcenter, acho que ambas com as colegas de trabalho. Uma delas, de ônibus e metrô. E dessa vez nós fomos, porque as Noites do Terror tiveram um tema diferente, que eu nem lembro qual. Mas lembro de ter ido naquele brinquedo maior, que também molha as pessoas. E naquele outro, da torre. Mas, nessa época, eu já tinha ido muitas e muitas vezes no Hopi Hari. Tantas, a ponto de enjoar. Eu tive carteirinha anual do parque bem por uns 3 anos seguidos. E matei toda a minha vontade de parques de diversão brasileiros. 

Das últimas vezes que eu fui no Playcenter foi triste. Foi decepcionante. Porque eu olhava tudo de cima e sentia a diferença de quando eu era pequena. De quanto o parque diminuiu. De quanto foi depredado. De quanto o nível do público caiu. De quanto era perigoso se machucar por falta de manutenção. 

Playcenter, foi grandioso assistir e acompanhar seu crescimento e auge. Mas foi igualmente triste e decepcionante a sua decadência e fim. 

Sentirei saudades. 



quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Ode às sapatilhas vermelhas

Vermelho é a minha cor preferida. Menos para batons. E calças também, visto que antes de nascer eu devo ter pedido pra vir com a bunda avantajada. Apesar disso, já tive uma calça vermelha. Antes, MUITO antes da moda Restart. Aliás, faz tanto tempo que parece que foi em outra vida. Enfim. Eu queria falar de calçados.

Eu era pequena, bem pequena mesmo, quando dei por mim que gostava de sapatos. Muito provavelmente porque eu passei alguns longos anos da minha vida usando botas ortopédicas. E era feio. Bem feio. Mas eu, do alto dos meus 4 anos, não pensava nisso. Eu pensava mesmo era na hora da refeição (queria fugir pra China nessas horas, se pudesse - eu era uma criança avessa à comida). Mas, claro, não é nada fácil viver e mais difícil ainda CONVIVER. Do alto de meus 4 anos de vida, eu na escola, já sabia ler e escrever. E já passava por situações cujas quais me deixavam pensando POR QUE, meu Deus, exatamente, eu vim parar aqui. Tipo quando meus colegas de escola diziam que meus sapatos eram feios. Sim, eu sofri bullying. Por usar botas ortopédicas. E foi TÃO ruim sofrer isso aos 4 anos de idade, que até escrevendo essas linhas aqui, vinte e tralalá de anos depois, eu ainda sinto um pouco da angústia que sentia quando alguém comentava dos meus sapatos. Eu, neném, recém nascida nesse mundo cão, ainda não sabia me defender. Mas com certeza se a vida fosse essa coisa de Benjamin Button e se aos 4 anos de vida eu já fosse tão experiente quanto hoje nessa coisa de lidar com seres humanos, com certeza eu teria tirado aquelas botas ortopédicas pesadíssimas pra dar com aquele solado de madeira bem na cara de quem comentava com maldade a respeito delas.

A meu favor tenho a dizer que aquele bullying (vai tirar sarro de QUALQUER pessoa que use ao menos um aparelho dentário hoje! Capaz de ser processado por danos morais, independente da idade do agressor!) me ajudou no início de meu aprendizado a respeito de como lidar com essa raça que se diz inteligente. E mais: hoje eu tenho os pés mais lindos que alguém poderia ter. E é a opinião geral da nação que tem o prazer de desfrutar da minha beleza.

Passei longos anos (acho que uns três) usando daquele negócio feio que eu não tinha reparado antes, mas que os mini-energúmenos que estudavam comigo naquela época fizeram o favor de fazer com que eu reparasse nisso. E me importasse. Muito. E então nessa época eu já reparava nos pés das pessoas. Nas pessoas da minha idade, principalmente. Nas meninas, quase sempre. Que usavam aqueles lindos sapatinhos envernizados (porque ninguém usava tênis naquela época - ainda não havia produtos importados no Brasil, gente) que hoje só se usa em casamentos ou ocasiões especiais. Mas os sapatos naquela época já eram lindos. Pra mim, principalmente. Que tinha um par de botas ortopédicas preto e um branco. Eu olhava nos pés das coleguinhas e babava nos sapatos. E então meu mundo caiu quando a febre geral da nação foi a Melissinha.

Aos 6 anos, eu me lembro como se fosse ontem, eu fui ao ortopedista que olhou meus pés e disse que nunca mais eu precisaria usar daquelas botas. E essa talvez tenha sido a primeira das alegrias da minha vida. Agora eu poderia abusar de todos os sapatos e sandálias que pudesse do mundo todo. E pedi uma Melissinha. Mas esse mundo não é justo, já diria Amy Winehouse aos 10 anos, e eu descobri que tinha alergia de sapatos de plástico. E a Melissa foi-se embora quase que pra sempre da minha vida. Quase. Porque esses dias eu comprei a primeira Melissa Aranha da minha vida.

Mas aos 6 anos de idade, eu precisava calçar algo nos pés. Tênis era uma coisa que não existia (Fernando Collor só liberou o comércio internacional em 1991), eu não podia usar sandálias de plástico e meus pais não eram lá muito bem de vida a ponto de eu poder ter muitos sapatos. Então eu pedi pra minha mãe uma sandália de tirinhas. Vermelha. Porque eu tinha visto em alguém. Não satisfeita, pedi uma bolsa. Com listrinhas vermelhas. Porque eu também tinha visto em alguém. E lá naquela época começou a minha paixão por vermelho.

De lá pra cá eu quis muita coisa vermelha. Muita mesmo. Mas na época de usar a minha sandália de listrinhas, era obrigatório usar uniforme na escola. Mesmo nas escolas públicas, o que era o meu caso. E o tênis fazia parte do uniforme. E aí mesmo antes do comércio internacional e mesmo antes desses tênis de marca que bombavam (e que perigava a galera voltar só de meias pra casa), a gente usava uma coisa tipo isso. Ou isso. E aí voltei eu para a obrigação de usar calçados ridículos (mas se lembrar das saias azul marinho pregueadas com short vermelho - ao menos era vermelho! - bufante por baixo aí sim me jogo da ponte).

Daí um belo dia eu acordei em 1998. Na faculdade. Fazendo estágio. E precisando usar algo mais plausível nos pés. E então comprei scarpins. Que, dentre todos os modelos de sapatos, eu prefiro. Acho elegante, gosto dessa coisa com salto fino e bico. Eu não nasci para usar sapatos plataforma. E então, minha gente, Marta Suplicy ainda não tinha sido eleita pra trocar toda a calçada da Avenida Paulista. E eu camelei, muito-muito-muito mesmo, em trajetos entre a faculdade e os estágios que tive, por entre aquelas pedrinhas do hell que sempre foram o calçamento da avenida mais importante da cidade. E mano, não era fácil. Pegar ônibus, andar-andar-andar, subir e descer escada. Do alto de toda a minha elegância em scarpins, lá pelas 2 horas da tarde eu já tava querendo que o mundo acabasse em bomba atômica. Não era fácil não. E gente, quer me tirar do sério é eu estar com o pé doendo. Pé doer por causa de sapato está no topo da minha lista de coisas que me deixam de mau humor. Sério. Vontade que o mundo acabasse só pra eu poder parar pra tirar aquela porra de sapato que machuca do meu pé!

E então alguém (que deve ter sido mulher) inventou (ou re-inventou, não sei) a moda das sapatilhas. E aí mudou a minha vida. E então de repente eu usava aquilo que era bonito e confortável. Que combinava tanto com o jeans que eu usava na faculdade, quanto com a roupa social que usava no estágio. Combinava tanto de dia quanto de tarde. E à noite, no começo eu até ia de salto. Elegante, claro. Mas com dois poréns: 1 - NÃO DÁ pra dançar de salto nessa vida. Juro que acho insano quem faz isso. Depois de 15 minutos eu já tenho vontade de todo aquele lance da bomba atômica e tals. E 2 - Eu sou uma mulher alta. 1,72m, pra ser mais precisa. E devo dizer que há poucos homens compatíveis comigo nesse quesito. O mundo é dos baixinhos. E daí entro eu, na balada, do alto de meus 1,72m, olhando somente para homens que eu enxergue acima da linha do meu nariz. E aí vem a decepção: vai ter só uns 2. Muito provavelmente, acompanhados de alguma baixinha de 1,50m.

Sapatilhas são a opção pra proteger os pés (na aula de dança, principalmente). São a opção pra quem não teve tempo de fazer as unhas. E pra quem tem pé feio, porque até quem tem pé de pato fica menos horroroso se usar sapatilha. E a gente que vê de fora também não precisa morrer de horror como morre quando vê uma mulher usando sandálias menores que os pés e com os dedos caindo pra fora. E calos. E formatos de unha horrorosos, mais curvados que de gavião. Eu, apesar de ter pés lindos, odeio gente olhando pra eles. E adotei as sapatilhas para ir à balada TAMBÉM. E pra ir na aula de dança. E em eventos sociais. E em passeios no shopping. E ao cinema. Teatro. Museu. E pra tomar sorvete. E pra buscar a pizza na portaria. E pra ir ao parque. Almoço em família.

Sapatilhas foram uma das melhores invenções da face da terra. Mas as vermelhas, mais. Porque vermelho é a minha cor preferida. Porque eu não consigo olhar uma sapatilha vermelha na vitrine e não me apaixonar no mesmo instante. Porque sapatos vermelhos são diferentes sem deixar de ser clássico. Feminino. Porque você pode estar a maior pobrezinha e descabelada no resto do corpo, que se botar uma sapatilha vermelha vai ficar chique. Vai chamar a atenção. E chama a atenção para os pés, sem mostrá-los totalmente. Sapatilhas vermelhas são o moderno. O meigo. O delicado. E eu vivi uns 3 longos anos da minha vida sofrendo por usar botas ortopédicas, mas se tudo isso foi pra chegar aqui hoje e ter pés perfeitos que fiquem mais lindos ainda usando sapatilhas vermelhas (e eu tenho uma coleção delas)... é porque tudo valeu a pena.



sexta-feira, 29 de julho de 2011

Sobre gatos

Daí que ontem de madrugada eu perdi o sono, peguei o celular e comecei a ler os últimos tweets da minha timeline. E me deparei com as meninas falando sobre animais. Tary, apaixonada por corujas e Ruvis por girafas. E faz um tempo já que eu sabia das preferências delas, mas foi lendo as exclamações do tipo "ah, são tão fofinhas" que eu resolvi escrever esse post.

Eu acho muito legal saber dos animais preferidos das pessoas. Quando não são cachorros, na verdade. Eu sempre acho que quem diz que cachorro é animal preferido tem falta de imaginação. Primeiro porque é o óbvio. Todo mundo tem, todo mundo gosta, é o animal doméstico mais dócil e serve tanto pra ficar lá de guarda quanto pra botar na mesa do jantar com roupinha e laço na cabeça como se fosse da família. Gostar de cachorro é clichê. Homem gosta de cachorro. Mas homem gosta de qualquer animal que bote a língua pra fora e balance o rabinho pra eles. Ainda mais se o animal fizer isso depois de uma bronca ou um chute na bunda. É fácil agradar um homem.

Já que é pra gostar de um animal, goste por algum motivo além. Não estou falando de gostar no sentido de ter em casa. De alimentar, de criar. Estou falando GOSTAR, no geral. A Ruvis nunca vai ter uma girafa em casa (espero), mas eu imagino que ela fique encantada com elas quando vai ao zoológico. E eu entendo, são animais enormes, meio desproporcionais anatomicamente, mas com uma elegância e sutileza ímpar. Eu também acho as girafas sensacionais. Ou elefantes, que com todo aquele tamanho e tanta capacidade de serem fortes e brutos, são delicados a ponto de prestar atenção onde pisam. Um dia eu ainda vou abraçar um elefante, de tanto que acho lindo.

Mas a minha preferência são os felinos. Eu fico arrepiada de ouvir aquele rugido de leões ou tigres. Acho sensacional o pelo tão colorido e fico impressionada em como a pantera consegue ter pelos todos da mesma cor e mesmo assim brilharem muito mais que qualquer cabelo bem tratado. Mas é a onça que me encanta. Gordinha, com patas enormes (e LINDAS!) e cabeça delicada, eu queria uma onça de estimação lá em casa, no meio da sala. Forte, ameaçadora. Um grande gatinho. E é aí que entra a minha preferência no quesito animais domésticos. Gatos são pequenas onças.

Gatos são inteligentes e no olhar deles é possível decifrar o que pensam. É preciso conquistar um gato, e mesmo assim ele nunca vai correr babando na sua direção. Gatos não latem aquele som estridente que entra quadrado nos ouvidos de qualquer pessoa que sofre de enxaqueca assim como eu. Gatos já nascem sabendo onde fazer suas necessidades e você nunca vai ver um gato rolando por entre suas fezes ou, pior, comendo-as - coisa muito normal no mundo dos cães. Gatos tomam banho sozinhos. Gatos não fazem barulho nem comem sapatos. Gatos têm senso de responsabilidade e acreditam precisar ajudar seu dono a cuidar do sustento do lar. Gatos trazem presentes pra você. Você não cria um gato. É ele que cria você.

- Gatos têm a capacidade de sentar no livro exatamente na palavra que você estava lendo.
- Gatos têm a sutileza de passar na frente da sua tela de computador sem que você tenha vontade de matá-los.
- Gatos têm o encanto de se enfiarem em lugares inusitados a ponto de você, quando encontrá-los, achar a coisa mais linda do mundo.
- Gatos são associados à mitologia e superstições e no Egito (onde é associado à uma deusa) já houve punição pra quem fosse encontrado traficando um gato.
- É de um gato o nome do bicho de estimação mais original que eu já fiquei sabendo existir até hoje. O Elvis, da Silvia! (tem o Gato da Pri, mas isso não entra em questão - o que importa é que todo mundo que é legal tem um gato)

Eu sempre fui a menina dos gatos. A minha avó sempre teve vários, e eu apesar da rinite alérgica sempre vivia entre eles. Com vários entre os braços. Com arranhões nas mãos. Com a cara inchada, olhos vermelhos e espirrando como se não houvesse amanhã. Eu com os gatos sempre me senti feliz. Eu sou sempre a pessoa que quando alguém diz "cuidado, esse gato é arisco" ou "esse gato não gosta de gente estranha", passa alguns minutos e estou eu com o gato no colo. Agora nem tanto, porque eu cresci e sei que antes uma mulher de 30 fina, elegante e com a roupa sem pelos do que a felicidade de um gato entre os braços e olhos e nariz coçando loucamente.

Sobre as pessoas que não gostam de gatos, eu tenho vontade de colocá-los no micro ondas e clicar em ligar. Tenho vontade de atirar chumbinho e mapear o corpo dessas pessoas como aquele joguinho de ligar os pontos - que depois eu ia querer ligar com estilete. Tenho vontade de prender latas nos pelos da bunda e correr jogando pedras atrás. Tenho vontade de amarrá-los a carros e sair puxando até que fiquem como um espeto cru de kafta.

Eu já fiz uma apresentação sobre gatos para uma turma de pós graduação. E convenci um público de cerca de cinquenta homens que um gato é o melhor bicho de estimação. Eu já voltei pra casa chorando porque vi um gatinho machucado na rua e não podia trazê-lo comigo. Eu já voltei pra casa chorando porque um vendedor de gatos colocou um deles no meu colo e eu não pude trazê-lo comigo. Já voltei pra casa chorando depois de levar o meu gato pra tomar banho e ele miar enlouquecidamente pra mim como se estivesse sendo torturado. Voltei pra casa chorando quando ele de fato foi torturado por uma máquina de raspar pelos na barriga, e ele me olhou como se eu o segurasse enquanto alguém o estuprava. E voltei pra casa chorando quando eu soube que a eutanásia levaria de mim o gato mais lindo que eu conheci nessa vida.

Eu tenho milhares de avatares com fotos de gato e não consigo ver fotos deles no WeHeartIt e clicar em 'heart' logo depois de ressoar 'own' internamente. E hoje eu vim aqui dizer pra vocês, que no mundo de girafas e corujas, o meu animal preferido é o gato.

Segue abaixo a minha demonstração de afeto por esse animal tão de Deus e tão especial (obs: cachorros precisam ser induzidos a poses e situações que chamem a atenção. Gatos são encantadores por si só):


ówn


óówn


ówn ³


ôôówn


óóóóówn


ówwm


óóóóóóówwnnn meu deus!


ówn (segura que ele vai pular)


óówn onde vende essa touca?


ówn, o dia que eles aprenderem a gente tá ferrado


ówn - pior é que eles são safados assim mesmo












R.I.P. Bóris <3 :~

segunda-feira, 27 de junho de 2011

RIP Mc Donald's

Eu tinha uns 5, 6 anos. Meu avô trabalhava de segurança no primeiro Mc Donalds de São Paulo (acho), o da Henrique Shaumman. O Mc fechava meia noite e o meu avô chegava em casa pra lá desse horário, trazendo saquinhos de lanche pra nós (eu, tia e tio). Lanche esse que só comeríamos no dia seguinte, muitas vezes no café da manhã mesmo. Mesmo aquele cheeseburguer murcho e aquelas batatas esturricadas, nós comíamos de lamber os dedos. Eu, criança que quase não comia, inclusive. Era uma felicidade saber que às vezes teríamos um lanche do Mc Donald's pra comer e que, às vezes, vinham até com brinde! Naquela época (nos idos de 1985) ainda não existia Mc Lanche Feliz mas mesmo assim já havia uma prévia de lembranças e brinquedos para crianças. Claro que nada muito elaborado, nada muito caro, na maioria das vezes tinha era um estojo de plástico pra montar e lápis e borrachas com emblemas do Mc. Mesmo assim, era feliz.

Mc Donalds se instalou no Brasil no ano que eu nasci, e confesso que cresci com ele. Mc Donalds esteve ali presente na minha infância, no saquinho de papel que meu avô trazia de madrugada. Mais tarde, Mc Donalds pra mim era sinônimo de festa. Quando me perguntavam o que eu queria fazer no meu aniversário, eu dizia sem hesitar: "comer no Mc Donalds!". Eu tenho várias fotos comendo, feliz, um cheeseburguer que pra mim dava e enchia como se fosse um Big Mac. Cheeseburguer tem pra mim gosto de infância. Até hoje.

O tempo passou, Mc esteve presente nas minhas idas ao shopping e ao cinema com as amigas, nas minhas datas de prova de vestibular, nas minhas muitas refeições com namorados. Mc era sinônimo de felicidade. Aquilo que a gente vai comer antes de fazer aquela coisa chata, pra pelo menos poder fazer aquela coisa chata de maneira mais feliz. Mc era aquilo que a gente comia depois de fazer uma coisa legal. Pra fechar o evento, o encontro, o dia, com chave de ouro.

Em todos esses 31 anos (meu e do Mc Donalds em SP) nessa indústria vital, comigo tendo experimentado lanches deles em quase todos os pontos da zona sul e oeste de São Paulo e podendo dizer pra vocês que, apesar de ser uma franquia e que deveria ter tudo padronizado - SIM: os lanches têm gostos diferentes dependendo dos lugares que você come. E te digo sem dúvida alguma: o meu lanche preferido, de todos, sempre foi o do Mc da Henrique Shaumman. O lanche lá tinha gosto de tardes preguiçosas de sol, sabe? A Coca era sempre perfeita, na temperatura perfeita, com o gás perfeito. E a batata era sempre na textura que deveria ser, com o sal que deveria ter. Sanduíche com gosto de infância. De brincadeiras no quintal. De carinho.

Ir ao Mc da Henrique Shaumman foi sempre um evento pra mim. Até esses dias, saber que eu ia passar em algum lugar lá pela Paulista ou Centro, podia ter inúmeros Mc Donalds por ali, mas eu sempre ia querer passar no Mc da Henrique Shaumman na volta. Sentar naqueles sofazinhos com cara de almofadados e com aquela estampa que estava ali há 30 anos. Aquela decoração sempre cheia de desenhos em cima da cozinha, aquela escada que dividia os dois andares de mesas e eu, SEMPRE escolhia o andar de cima. E sempre do lado da esquina da rua, na janela. Sentar ali e poder comer vendo o entardecer da Rebouças com a Av. Brasil. Paisagem bonita, um dos meus lugares preferidos de São Paulo.


Sábado retrasado eu fui novamente, depois de algum tempo, no Mc Donalds da Henrique Shaumman. E me deparei com um restaurante totalmente diferente. De arquitetura nova, eles descaracterizaram toda a minha lanchonete de infância. Desde o telhadinho, passando pela troca dos sofás para cadeiras desconfortáveis e pilares no meio do caminho, até o cúmulo de fechar a linda vista das janelas para o cruzamento da Av. Brasil. E então eu fiquei chocada. Entrei em um lugar diferente, que não era aquele que fez parte da minha vida em tantos momentos. Era um lugar estranho. Não era mais parte de mim.

Aos 31 anos e muitos lanches de Mc Donalds de vida, devo dizer que faz alguns meses já que passo mal depois de comer lanche lá. Meu estômago não está mais curtindo. Mesmo assim, até sábado retrasado, quando havia a hipótese de comer no Mc da Henrique Shaumman, eu ia. Teimosa. Passava mal depois, mas ia. Só pra lembrar um pouquinho da minha infância. Daquelas batatinhas esturricadas que eu amava comer. Sentadinha ali, no sofá antigo.

Venho por meio deste dizer que a modernidade matou um pedaço da minha infância. E que, agora, nada mais me anima a comer nesse lugar. Porque se o meu problema é apego ao passado, ao telhadinho de casa de boneca e ao sofá pra sentar....... agora estarei no Outback. Até eles resolverem tirar os jacarés e cangurus das paredes, pelo menos. E o sabonete cheiroso do banheiro, claro.


R.I.P. Mc Donald's da minha infância. Adeus.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Gordinhas

Dia desses estava eu na fila do banco. Eu odeio filas, mas são ossos do ofício. Enfim. Estava eu na fila do banco, incomodada com as pessoas que nada têm a fazer e ficam olhando para a minha cara. Eu não sou uma pessoa sociável. Eu não gosto que fiquem olhando para a minha cara. Você pode me achar bonita e atraente o quanto for na fila do banco, mas não fique olhando pra minha cara, que isso me incomoda. Igual quando eu andava de metrô. Que saco as pessoas olhando pra cara da gente na falta do que fazer! Pô. Conte as bolinhas do piso, mano!

Então. Estava eu lá, incomodada com as pessoas me olhando, cansada por estar tanto tempo na fila, xingando por dentro até a última encarnação dos caixas lerdos, até que comecei a me irritar com uma criança que corria desesperadamente pra lá e pra cá. Eu, pessoa sem filhos e há muitos anos sem contato diário com crianças, me irrito com esse tipo de coisa. Ah, eu adoro crianças. Das que não falam, das que não correm, das que não gritam e das que não sobem de sapato no sofá. O menino corria desesperadamente ao redor da fila enorme e eu ali. Com calor. Cansada. Irritada. E então apelei para a psicologia interior. E comecei a pensar que, veja bem, eu, mulher adulta, toda essa idade nas costas, estava impaciente na fila. Eu, que supostamente deveria ser compreensiva com a precariedade na prestação de serviços, com a superpopulação de São Paulo, com a falta de noção das pessoas. Eu deveria estar conformada de estar ali tanto tempo em uma fila. Deveria. Mas não estava. Eu tava era querendo correr em volta da fila com aquele menino. Eu tava era querendo gritar como uma criança de 6 anos só pra incomodar ainda mais todo mundo aparentemente tão acostumado com uma situação absurda daquelas. Eu tava era querendo sentar no chão e desenhar nas paredes. Eu queria ser aquela criança naquela hora.

Então olhei para o lado e vi uma moça com sua filha. A menina, uns 8 anos. Levemente gordinha, com cachinhos. Loira. Com a roupa toda cor-de-rosa, ela era tão quieta que eu mal a vi. Conformada em estar ali em pé tanto tempo sem nem saber porquê. Ela tinha um saquinho com três cartelas de adesivos, e durante todo aquele tempo em que ficamos na fila, ela só pediu para a mãe abrir um deles. Pegou um adesivo de florzinha e colou na mão. E foi feliz. Muito mais que eu naquele momento.

Foi olhando pra ela que eu lembrei de mim. Me vi ali. Do alto dos meus 7, 8 anos de vida. Quieta, na minha. Sem me incomodar muito com a espera em algum lugar. Não que eu era uma anta e pouco me importava. Importava sim. Eu sempre achei um saco ficar esperando o que quer que fosse que não me traria nada bom em troca, como uma boneca nova ou um churro. Mas eu era quieta. Por ser ameaçada mesmo (porque meus pais diziam que qualquer vexame que eu desse a gente ia se acertar em casa depois), mas também por ser quieta desde sempre. Eu sempre achei monótono ficar correndo. Transpirava e ficava com calor. Nunca gostei de chamar a atenção gritando ou fazendo qualquer outra coisa do tipo. Aos 7 anos de vida eu me veria exatamente como aquela gordinha na fila do banco: quieta.

Então concluí que sou a favor de crianças mais gordinhas. Porque são mais gordas porque são mais quietas mesmo. Não são daquelas que a gente tem que ficar esgoelando no meio do mercado pra elas descerem da prateleira. Esses desesperados são magros porque não param quietos. Eles queimam muitas calorias. Eu sou a favor dos gordinhos. Disciplinados. Comportados. Lógico que não estou falando aqui que sou a favor da obesidade infantil que prejudica a vida pra sempre e blablabla, nem nada desse tipo. Eu estou falando de crianças quietas. Dessas que não precisam de coleira. Que conseguem brincar e ser felizes com o jeito quieto delas de viver.

A gordinha, ali tão entretida com o adesivo de florzinha. Tão no mundinho dela. Tão feliz com o jeitinho dela de ser. Mal sabe que daqui a poucos anos vai ter que selecionar melhor as coisas que vai comer para se adequar à ditadura da magreza, pra ser só mais uma em meio à multidão.



PS: Ditadura da magreza: você procura fotos de "gordinha" no google, e só tem gorda pelada. É assim que as pessoas pretendem mostrar que todo tipo de corpo tem o seu valor?