Eu devia ter bem uns 10 anos. Me lembro vagamente que foi da minha avó e madrinha que eu ouvi falar sobre esse livro. Ela tinha, entre outros do mesmo autor, um livro encapado com contact de estampa de madeira. Ou seja, o primeiro livro pelo qual eu me apaixonei na vida não tinha uma capa. Engraçado pensar que eu quase sempre escolho um livro pela capa, mas o meu primeiro livro não tinha uma.
Algum pouco tempo depois me lembro de meus pais dizendo que eu podia escolher um livro pra levar pra mim. Devia ser em uma livraria, mas eu não lembro. Lembro que vi, em um livro pequenininho, o desenho de um menino sentado em uma árvore. E reconheci nesse livro aquele nome que tinha ouvido a minha avó falar sobre: Meu pé de laranja lima. Peguei esse e meus pais me elogiaram dizendo que eu não poderia ter escolhido um livro melhor, apesar de tão pesado para a minha idade. Mas que eu ia gostar.
Eu sou hoje uma pessoa que se acaba na estante de livros estrangeiros em uma livraria, mas que fique claro que meu primeiro livro de verdade foi um livro de um autor brasileiro. José Mauro de Vasconcelos tem um sobrenome igual ao meu. E é claro que aos 10 anos eu já sabia que de um Vasconcelos sempre pode sair uma coisa bacana. Quando a gente quer.
Eu tinha uns 10 anos mas me lembro de ter lido as mais de 100 páginas sem figuras quase que de uma vez. E em meio a uma história tão infantil, mas tão carregada de densidade, eu me identifiquei em algumas passagens. E chorei. Meu pé de laranja lima se tornou ali o meu primeiro livro preferido da vida. Foi Meu pé de laranja lima que despertou em mim o gosto pela leitura. Gosto esse que se aprofundaria tanto que poucos anos depois eu teria lido todos os livros da biblioteca da escola.
Meu pé de laranja lima é uma história ao mesmo tempo inocente e complexa. História mesmo, porque José Mauro de Vasconcelos se baseou em sua própria infância pra escrever o livro. Carregada de pequenas alegrias e tristezas. Tão do tamanho dos 7 anos de Zezé. E eu, tendo tido aos 10 anos esse como meu primeiro livro favorito da vida, o que mais poderia se esperar de mim senão todo gosto pela melancolia que eu tenho hoje?
Li Meu pé de laranja lima bem umas 10 vezes nessa vida. E chorei em todas elas. Bem eu, que não costumo chorar, me debulhei em lágrimas. Bons livros são os que me fazem chorar.
Mais de 20 anos depois de ter lido meu primeiro livro favorito da vida, resolveram fazer um filme. E lá fui eu assisti-lo. Sozinha, pra chorar o quando eu quisesse. E assim foi. Começou o filme e logo depois da apresentação do patrocínio da Petrobrás, começou a musiquinha e o letreiro com os nomes dos autores. E então minha gente, já foi ali que eu comecei a chorar. E assim foi durante todo o tempo do filme, que eu nem sei quanto durou porque eu estava ocupada chorando. E eu levei uma coca cola e uns salgadinhos na bolsa pra comer ao invés de chorar, mas de nada adiantou. Cinco minutos de filme e eu lá soluçando cheia de salgadinho e aquela coca cola nunca esteve tão salgada. Estava vendo a hora que a outra meia dúzia de pessoas que estava vendo o filme comigo ia vir perguntar se eu estava tendo algum problema.
Saí com a gola da blusa molhada. O rímel borrado. O nariz vermelho. A calça caindo. O cabelo despenteado. O ápice da falta de sensualidade da mulher brasileira. Mas cheia de consciência do meu estado deplorável, saí do cinema de cabeça baixa e corri pro estacionamento pagar e ir embora. No caminho de casa, fiquei pensando na vida. Nas dores da vida. Nas tristezas da vida. Na densidade da vida. E tudo isso aliado a alguma música melancólica que estava tocando no rádio, chorei de novo. E então a luz do painel piscou. Gasolina. Ok, carro, vamos abastecer.
Cheguei no posto com a cara vermelha, descabelada, rímel borrado. E eu não sei porque os flanelinhas precisam olhar pra gente pra saber o que a gente quer "moçooo snif boa noitee snif bota cinqüenta reais de gasolina comum snif".
Foi a gasolina mais cheia de compaixão que meu carro já recebeu na vida.
O MEU pé de laranja lima
Obs. 1: Se você tem ou ainda vai ter um exemplar de Meu pé de laranja lima dado por mim, saiba que o que eu te dei não é só um livro simples e cheio de ternura. É também um pedaço da minha história e do meu coração.
Obs. 2: José de Abreu, eu sempre te achei bem mais ou menos. Mas agora, depois de interpretar o Portuga, talvez o meu personagem preferido da literatura, você vai ter minha admiração pra sempre.
Re, nunca li meu pé de laranja lima.
ResponderExcluirNunca.
Mas entendo essa relação do primeiro livro, porque embora não tenha sido o meu primeiro, eu me sinto assim com o Harry Potter 1. E choro, e me debulho, e sofro, todas as vezes!
Tô querendo um Laranjinha (infâmia chamar assim?) agora. Vou procurar num sebo!
Beijo!
(Volta!)
E eu tenho certeza que aquele livro chegou pra mim com mais coração seu do que história. E eu amei o livro, e amei o que significa ter ganhado ele de você.
ResponderExcluirEsse filme deve ser uma faca no peito, meu Deus..
Beijo!
(Volta!)
Eu não lembro de cor o nome do primeiro livro preferido que eu li (só lembro que era sobre a história de uma calça que passava de mão em mão, e era muito legal) mas o segundo livro preferido que li eu lembro bem: foi o Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva.
ResponderExcluirEu ainda era moleque quando li, devia ter mais ou menos uns 10 anos. Pensando bem, era um livro bem carregado: conta a vida do autor, que ficou tetraplégico depois de um mergulho mal dado em um lago, e também conta um pouco da história do pai dele, o político Rubens Paiva, preso pelo exército na década de 70 e que desapareceu do mapa. Para quem nunca havia lido nada mais pesado do que Monteiro Lobato e Ziraldo, era uma grande coisa. Mas eu não conseguia parar de virar aquelas páginas – era algo sedutor, um contato com o mundo adulto que eu não tinha acesso. Marcelo Rubens Paiva era meu ídolo: fazia faculdade, tocava violão muito bem, comia as meninas que ele queria, vivia experiências que nessa época eu nem sonhava em vivenciar um dia. Eu lia tudo aquilo com entusiasmo – até as partes mais densas, era como se um portal se abrisse e eu tivesse contato com algo restrito, conhecimento secreto, proibido para menores!
Também foi o primeiro livro que eu li com uma linguagem menos formal. Não sabia que era possível escrever do jeito que se fala, também não sabia que era possível escrever sobre todas as coisas. Nesse sentido, Feliz Ano Velho foi um livro importante, me fez perceber que havia um outro universo pra ser descoberto nos livros e me fez ficar impressionado pelas histórias que só os livros sabem contar.
Bjo :D
Também sou do time que nunca leu essa obra - e me puno demasiadamente por isso. Só consigo encontrar esse livro em época escolar - e olha que trabalho em livraria. Em suma, o livro da minha infância foi o Pequeno Príncipe, mas o sentimento é igual: também eu sinto uma emoção constante quando ouço falar do "meu primeiro livro". Levamos isso para a vida. ainda bem.
ResponderExcluirabraços.
Esse livro é mesmo a coisa mais linda da vida. Só fui ler com quase 20 anos na cara, mas me acabei de chorar sem solução. Chorei em casa, no banheiro, e no meio do banco do brasil. E vou chorar de novo toda vez que ler (depois que eu comprar, porque a primeira vez li emprestado). Estou morrendo de vontade de ver o filme, mas ainda não tive a chance (nem sei se ainda está passando em algum lugar), e sei que vou sair do cinema imprestável.
ResponderExcluirBeijos, Rê. Estou com saudades!
Eu nunca li Meu Pé de Laranja Lima e até pensei em ver o filme, mas acho melhor ler o livro primeiro né!
ResponderExcluirNunca fui no cinema sozinha, acho que tenho medo, sei lá.... Mas imagino a cena você com a cara inchada de chorar abastecendo o carro! Rs! Beijos