segunda-feira, 19 de março de 2012

Marcio


Foi há quase um ano que eu resolvi entrar na academia. Sabe como é, do alto de meus trinta e dois anos, e os trinta são mesmo a idade das resoluções. Foi um belo dia que eu acordei e pensei que odiava academia, que nunca tinha feito, que a minha visão de quem faz é a de que é um pessoal fútil e que o tanto de músculos que eles têm é relativamente proporcional ao tamanho do cérebro. Mais tempo na academia, mais músculos, mais tempo que a pessoa não tem o que fazer, menos cérebro. Mas depois dos trinta anos tudo começa a cair. E a academia é ali, tão pertinho, só descer o elevador. Sendo cobrada na minha conta de condomínio. Oito reais. Oito reais que eu estava pagando e não estava usando. Então me decidi: resolvi me juntar ao grupo dos falta-do-que-fazer e entrei na academia do prédio. 

Fiz o exame médico, fui no cardiologista, foi a primeira vez que fiz um ecocardiograma, saí com os peitos cheios de silicone por fora e melando, corri numa esteira cuja qual eu achei que ia não só cair dela, mas também da janela que estava bem atrás e na moça que estava por trás de mim me avisando que se eu caísse ela me seguraria. E cheguei cheia dos papéis na academia, coisa que ninguém faz. NINGUÉM faz exame médico tudo certinho pra entrar em academia nenhuma. É tudo na base do "amanhã eu trago" e fica por isso mesmo. Mas eu não. Eu faço as coisas certas. 

Me lembro ainda do meu primeiro dia. Parei na catraca, dei os papéis, "oi, vim fazer academia". "Não, nunca fiz antes". "Eu odeio academia". Com esse meu jeito meigo e doce de ser. E ele me olhou dizendo "Nossa, nunca?" "Nossa, odeia?" "Não, mas não pode!". E então eu me lembrei de todas as outras coisas que eu já fiz na vida, cursos que entrei pensando que ia odiar e saí amando por causa dos professores. Foi assim na natação. Na aula de dança. Na aula de pintura. No inglês. E até na escola. E eu sei que tem gente que vive e acha tudo normal e simples, mas vira e mexe eu me pego pensando nas pessoas que passaram na minha vida pra ensinar. Para o lado bom ou ruim, que seja. São pessoas que não só nos ensinam, mas formam nossos gostos e personalidades. Professores, simples pessoas, que se tornam especiais porque passar a fazer com que a gente aprenda alguma coisa. E goste de aprender. E goste do que quer que seja. E que quando você menos espera, está fazendo aquilo que você nunca esperava conseguir fazer na vida. E está fazendo bem. E está fazendo com prazer.

Marcio passou, dia após dia, a me ajudar a fazer musculação. A puxar todos aqueles ferros que a maioria das pessoas que fazem não se preocupam com postura. Dia após dia ele me orientou, me deu incentivo, me perguntou o que eu comi no final de semana e me mandou fazer 200 abdominais na bola porque eu tinha comido uma pizza. Marcio reparou na minha camiseta de psicopata e desviou dos pesinhos de 2 ou 3 quilos quando eu ameacei jogá-los nele. Riu de mim nas milhares de vezes que eu me atrapalhei naquele aparelho de abrir e fechar as pernas. Grande, alto, forte e tatuado, passou a fazer o clichê do pessoal frequentador de academia: me lançar olhares 43. Marcio começou me contando que era casado, depois passou a dizer que era só noivo, depois comentou que só namorava a moça. Uma loirona das pernas bem malhadas, claro. Eu, 32 anos na cara, experiente na vida, só sorria e pensava que não sou do tipo de mulher que sai com homem casado. 

Apesar disso, Marcio era uma boa pessoa. Abria a academia religiosamente às 6h da manhã e me tinha sempre como primeira aluna do dia. E conversávamos. E ele perguntava o tipo de música que eu gosto. E comentava que eu era roqueira "bate cabeça". Marcio, que não entendia nada de rock. Que fez uma plástica no nariz recentemente e que eu tive que ficar olhando praquela cara inchada ao longo de duas semanas. E quando eu comecei a fazer o processo pra mudar de trabalho, não fui mais à academia, mas como morávamos no mesmo prédio e a academia também fica lá, foram várias as vezes que nos encontramos nos corredores. Várias vezes que ele me perguntou o porque não estava mais indo. Várias vezes que ele assoviou pra mim lá fora, no estacionamento, pra me perguntar por que eu estava fugindo. E eu fugia mesmo. Passava todos os dias lá na frente olhando para o outro lado, pra ele não me ver. Dava uma volta enorme pra pegar a correspondência, só pra não passar lá na frente e ter que responder de novo que assim que der eu vou voltar. Mas ele me perseguia. E quando ele me fechou na portaria e enquanto eu perguntava pra mim mesma "pqp quem é esse louco que enfia o carro na minha frente e..." era ele lá, sorrindo, perguntando sobre a academia. Dia desses encontrou comigo à tarde, no elevador. Me deu um beijo na bochecha daqueles de verdade, e não de bochecha pra bochecha. Comentou que eu poderia ir à academia à tarde, já que estava saindo tão cedo de manhã. E saiu apressado porque dava aulas como personal a um médico que mora na Av. Paulista.

Marcio faleceu sábado, vítima de um acidente de moto.


Hoje de manhã eu acordei, me arrumei, tomei café, desci o elevador. E ainda de madrugada, no caminho do estacionamento até o carro, passei como todos os dias pela frente da academia. Escura. Olhei lá pra dentro como disposta a ver o porque das coisas. O sentido da vida. Me questionando como que a gente convive diariamente com alguém que, de repente, está ausente e não vai mais voltar. E então de repente acontece aquilo, mas as pessoas continuam vivendo suas vidas normalmente. Eu não entendo a vida. Não entendo a morte.

Entrei no carro e vim trabalhar.

domingo, 18 de março de 2012

Oi

Oi, eu não morri. Aguardem cenas dos próximos capítulos. Beijos.

(essa postagem tem o patrocínio de Anna Vitória. a gênia.)