quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A magia da cultura

Eu estava na minha vidinha normal de pegar o metrô de São Paulo todos os dias para ir e voltar do trabalho. Ah, linha amarela. Aquela que tem barreira de acrílico na catraca. Aquela que a gente pega 25 escadas pra descer e pra subir todos os dias. Por isso, a linha mais perto do inferno que existe. Mas é a melhor da cidade. E, se o metrô de São Paulo é o melhor do mundo, então a linha amarela do Metrô é a melhor do mundo. E eu até concordo. Tirando o cheiro de cachorro molhado por causa dos assentos de tecido e tirando essa coisa de parecer que vai cair a bunda da galera se todo mundo não entrar atropelando quem está saindo e correr desesperadamente como uma dança das cadeiras para sentar nem que seja apenas por 4 minutos, que é o tempo que dura de uma estação à outra. Tirando isso, e tirando o coreano que deixa o nariz escorrer até a jaqueta de couro, formando aquele horroroso fio de catarro bem na minha frente sem nem ao menos se mexer tentando disfarçar, e tirando o casalzinho chinês, que no caminho para o cursinho, todos os dias, vai se melando de maneira bem indecente todos os dias no metrô. Tirando todos esses poréns, o metrô da linha amarela de São Paulo é mesmo bem boa.

Enquanto estamos nas dependências da linha amarela, sempre ouvimos gravações a respeito de segurança. E, nas exatas seis horas da manhã, todos os dias, enquanto eu espero o metrô e penso na vida, a moça da gravação faz ares de som de fundo: “A faixa amarela é sua segurança, só a ultrapasse quando o trem abrir as portas. Se não puder embarcar aguarde o trem seguinte.” É, hoje eu tenho uma reunião às 14h. “Atenção: nas escadas rolantes utilize sempre o corrimão e deixe o lado esquerdo livre para circulação.” Ai que sono. “Fique atento aos seus pertences. Leve bolsas, mochilas e sacolas à frente do corpo, assim você protege o que é seu e não incomoda os outros usuários.” Acho que vou passar na Bella Paulista e comprar pão francês pra tomar café. “Evite acidentes. Ao embarcar e desembarcar, cuidado com o vão entre o trem e a plataforma.” Tomara que hoje a fofoca da área esteja controlada pra eu conseguir trabalhar em silêncio. “Evite acidentes. Ao som da campainha, não entre nem saia do trem.” Ai que bolsa pesada, eu acho que já estou carregando toda a casa aqui dentro. “Atenção. Não impeça o fechamento das portas, isso atrasa a circulação dos trens e prejudica todos os passageiros.” Talvez hoje não dê tempo de ir para a natação. “Os assentos indicados são de uso preferencial para idosos, gestantes, pessoas com deficiência ou pessoas com crianças de colo. Respeite esse direito. Ausentes pessoas nessas condições, o uso dos assentos é livre.”

E então, em meio a meus pensamentos, de repente eu penso estar na escotilha. Aquela, em que o Desmond esteve durante tanto tempo. Que não podia sair pois era preciso colocar um código todos os dias quando a sirene começava a tocar. E então agora meu plano de som ao fundo se resume a Make your own kind of music, sing your own special song na voz da incrível Mama Cass. E os sussurros dOs Outros. E Sawyer. Ô lá em casa.

Ah é. Eu estou no metrô. Indo trabalhar. E não no Lost.

Chegou o metrô. E tomara que o coreano do catarro não sente perto de mim, que senão dessa vez eu vou mesmo vomitar. E as mesmas pessoas. A mesma turminha de alunos do Liceu. A mesma dupla de mãe e filha que eu sempre imagino estarem indo ao médico. O mesmo cara que há 15 anos atrás eu acharia bonitinho, mas agora como eu já cresci e sou mulher sei que ele é só o tipo de cara que é bonito por fora e vazio por dentro – e que, daquele livro do cursinho que ele está lendo, deve estar absorvendo menos de 5% porque quando ele chegar lá vai ter alguma menina apaixonada burra que vai tentar ensiná-lo a matéria em vão. E a mesma menina estudante do Mackenzie, com aquele mesmo estereótipo de cara de burra porém calça agarrada, igual à tantas outras. E então, esperando chegar na minha estação, eu canso de olhar para os rostos das pessoas e passo a olhar os pés. É sempre divertido olhar os sapatos das pessoas no metrô. Aquele ali de plástico. E aquele lá com o tênis rasgado. A mulher de bico fino e salto alto, que do alto da pose só quem já sentiu na pele é que sabe o tamanho da dor que ela sente nos pés. E um par de coturnos. Pretos, sujos. Um amarrado, outro não. Um dobrado ao meio, outro não. Um com a barra da calça pra dentro, outro não. Um com os cadarços desalinhados, outro não. E eu, em meio à distração, de repente fiquei curiosa pra saber o rosto do dono de algo tão surreal e desalinhado nos pés. E quando meu olhar subiu do corpo dele ao rosto, dei de cara com alguém que me encarava. E aí eu quase tive um treco. Porque ele tinha cara de assassino. Daqueles que prendem a gente na mesa cheia de plástico. E que antes disso já sabem exatamente quem a gente é, porque passou um tempo se dedicando a conhecer suas vítimas. Ah é. Isso aqui não é Dexter. É só o metrô. Mas quem me garante, que ali em meio a tantas pessoas, enquanto a gente está no vuco-vuco da hora do pico no transporte público, quem te garante que aquela pessoa que escorrega a mão pelo ferro do metrô até encostar na sua mão, não é um assassino? Quem te garante que aquela criatura que espirra na mão pra logo em seguida segurar no ferro, não acabou de esquartejar alguém, colocar num saco de lixo e jogar em alto mar? Em meio a tantas pessoas, com certeza há, ali na vida cotidiana, algum psicopata? Com certeza há.

Mas a minha estação chegou, e enquanto eu pego minha meia dúzia de bolsas e saio andando com pressa em meio às pessoas, enquanto tento desviar de velhinhas, crianças e gente louca que sai correndo pra entrar na porta em que você precisa sair, porque o limite é o apito das portas, um rapaz relativamente grande empaca no meu caminho até a escada rolante. Um rapaz alto. E grande. E que usa uma blusa também maior que ele. Andando desengonçadamente. Tanto, que eu não consigo ultrapassá-lo. E então, por trás dele, começo a pensar que ele não tem um jeito bem peculiar. Tanto, que chego a pensar que, caso haja alguma vida não humana entre nós aqui na Terra, se houver outro tipo de vida tentando se disfarçar de humano.... talvez aquele rapaz não esteja conseguindo fazer isso tão bem. Mas ele não tem jeito de ET. Ele está mais para um Ciclope. Feito Tyson, o meio irmão de Percy Jackson. Tyson, chamando centauros de pôneis. Colocando nome de Arco-Íris em cavalos marinhos. E chamando Donuts com açúcar no mato.

Queria chegar logo em casa pra continuar a ler meu livro. Mas agora eu ainda estou no metrô indo para o trabalho.

Ah, o metrô de São Paulo. Sempre tão cheio. Todo mundo sempre com tanta pressa. Multidão de gente, todo mundo correndo pra lá e pra cá, como formigas quando a gente pisa sem querer num formigueiro. Todo mundo andando na mesma direção, mas sempre tem uma barata tonta no meio do caminho. Gente pra lá e pra cá, levando com a maré qualquer desavisado indeciso que estiver no meio. Gente. Muita gente. E então eu passo a imaginar como seria se toda essa multidão de gente fosse zumbi. Milhares de zumbis, pelos túneis do metrô. Cadê meu taco de beisebol? Eu preciso realmente comprar um taco de beisebol para o caso em que um dia todo mundo vire zumbi nos metrôs de São Paulo. Porque sabem como é: não dá pra atirar em zumbis, porque os outros escutam e isso os chama pra perto de você. Tacos de beisebol são silenciosos. Mas são milhares de zumbis. Muitos, vindos dos corredores. E o metrô tem muitos corredores subterrâneos. Ai Deus, como eu vou sair daqui, do meio desse Walking Dead?

Finalmente, eu no trabalho. Reunião de diretoria. Presidente da empresa vai falar. E eu, enquanto entendo um indiano falando inglês, penso que ele parece alguém que eu conheço. Que ele se chama Goku, mas não é com o das esferas do dragão que ele parece. Não. Ele me parece meio tímido. Um indiano presidente de uma empresa, porém tímido. E, enquanto ele faz piadas tentando interagir com os funcionários brasileiros, enquanto ele sorri com a bochecha rosada apesar da pele morena, eu lembro com quem ele se parece. Rajesh Koothrappali. Que bebe pra conseguir conversar com mulheres. E que, em meio a frases inteligentes e dignas de seu cargo de doutor, fala inocentemente absurdos mal compreendidos por quem os ouve. Ah, Raj. Acabe logo de falar e chame Sheldon, meu grande ídolo de The Big Bang Theory.

Do meu lado, a colega de trabalho tem o rosto todo vermelho por algum tipo de reação alérgica que ninguém sabe o que causou. A cada dia, a pele dela está mais inchada. Os médicos se limitam a dizer que ela está horrível. Mas eu não. Em conversas casuais, tento entender o que causou toda essa alergia absurda. Pergunto com quais tipos de produto ela está fazendo faxina em casa. Analiso momentos em que ela pode estar estressada no trabalho, e a chamo em meio a eles pra ver se a vermelhidão do rosto dela melhora ou piora. Pergunto o que ela vem comendo nos últimos dias e sugiro coisas que ela deveria parar de comer por uns tempos. Pergunto da família dela, se há algo parecido em alguém. Me certifico de não ser sarcoidose. Nem lúpus. Dr. House com certeza me contrataria.





Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros (e e filmes e séries) e nada mais.

Um comentário:

  1. Juro que quando cliquei na postagem achava que você ia falar da livraria hahahahahaha mas isso daqui é muito melhor! Adorei Rê!

    beijos

    ResponderExcluir