terça-feira, 24 de maio de 2011

Gordinhas

Dia desses estava eu na fila do banco. Eu odeio filas, mas são ossos do ofício. Enfim. Estava eu na fila do banco, incomodada com as pessoas que nada têm a fazer e ficam olhando para a minha cara. Eu não sou uma pessoa sociável. Eu não gosto que fiquem olhando para a minha cara. Você pode me achar bonita e atraente o quanto for na fila do banco, mas não fique olhando pra minha cara, que isso me incomoda. Igual quando eu andava de metrô. Que saco as pessoas olhando pra cara da gente na falta do que fazer! Pô. Conte as bolinhas do piso, mano!

Então. Estava eu lá, incomodada com as pessoas me olhando, cansada por estar tanto tempo na fila, xingando por dentro até a última encarnação dos caixas lerdos, até que comecei a me irritar com uma criança que corria desesperadamente pra lá e pra cá. Eu, pessoa sem filhos e há muitos anos sem contato diário com crianças, me irrito com esse tipo de coisa. Ah, eu adoro crianças. Das que não falam, das que não correm, das que não gritam e das que não sobem de sapato no sofá. O menino corria desesperadamente ao redor da fila enorme e eu ali. Com calor. Cansada. Irritada. E então apelei para a psicologia interior. E comecei a pensar que, veja bem, eu, mulher adulta, toda essa idade nas costas, estava impaciente na fila. Eu, que supostamente deveria ser compreensiva com a precariedade na prestação de serviços, com a superpopulação de São Paulo, com a falta de noção das pessoas. Eu deveria estar conformada de estar ali tanto tempo em uma fila. Deveria. Mas não estava. Eu tava era querendo correr em volta da fila com aquele menino. Eu tava era querendo gritar como uma criança de 6 anos só pra incomodar ainda mais todo mundo aparentemente tão acostumado com uma situação absurda daquelas. Eu tava era querendo sentar no chão e desenhar nas paredes. Eu queria ser aquela criança naquela hora.

Então olhei para o lado e vi uma moça com sua filha. A menina, uns 8 anos. Levemente gordinha, com cachinhos. Loira. Com a roupa toda cor-de-rosa, ela era tão quieta que eu mal a vi. Conformada em estar ali em pé tanto tempo sem nem saber porquê. Ela tinha um saquinho com três cartelas de adesivos, e durante todo aquele tempo em que ficamos na fila, ela só pediu para a mãe abrir um deles. Pegou um adesivo de florzinha e colou na mão. E foi feliz. Muito mais que eu naquele momento.

Foi olhando pra ela que eu lembrei de mim. Me vi ali. Do alto dos meus 7, 8 anos de vida. Quieta, na minha. Sem me incomodar muito com a espera em algum lugar. Não que eu era uma anta e pouco me importava. Importava sim. Eu sempre achei um saco ficar esperando o que quer que fosse que não me traria nada bom em troca, como uma boneca nova ou um churro. Mas eu era quieta. Por ser ameaçada mesmo (porque meus pais diziam que qualquer vexame que eu desse a gente ia se acertar em casa depois), mas também por ser quieta desde sempre. Eu sempre achei monótono ficar correndo. Transpirava e ficava com calor. Nunca gostei de chamar a atenção gritando ou fazendo qualquer outra coisa do tipo. Aos 7 anos de vida eu me veria exatamente como aquela gordinha na fila do banco: quieta.

Então concluí que sou a favor de crianças mais gordinhas. Porque são mais gordas porque são mais quietas mesmo. Não são daquelas que a gente tem que ficar esgoelando no meio do mercado pra elas descerem da prateleira. Esses desesperados são magros porque não param quietos. Eles queimam muitas calorias. Eu sou a favor dos gordinhos. Disciplinados. Comportados. Lógico que não estou falando aqui que sou a favor da obesidade infantil que prejudica a vida pra sempre e blablabla, nem nada desse tipo. Eu estou falando de crianças quietas. Dessas que não precisam de coleira. Que conseguem brincar e ser felizes com o jeito quieto delas de viver.

A gordinha, ali tão entretida com o adesivo de florzinha. Tão no mundinho dela. Tão feliz com o jeitinho dela de ser. Mal sabe que daqui a poucos anos vai ter que selecionar melhor as coisas que vai comer para se adequar à ditadura da magreza, pra ser só mais uma em meio à multidão.



PS: Ditadura da magreza: você procura fotos de "gordinha" no google, e só tem gorda pelada. É assim que as pessoas pretendem mostrar que todo tipo de corpo tem o seu valor?

3 comentários:

  1. Pois é, Rê, eu acho que geralmente aquelas crianças que têm algum "defeito" são mais quietas por vergonha de interagir com as outras crianças... sabe como é, crianças podem ser cruéis (experiência própria). E essa menininha meio que lembrou a minha própria infância. Até porque, na época, não acho que fosse mais quieta por vergonha, mas por medo, mesmo que só uma pontinha, era. Não consigo me lembrar de não viver nessa ditadura de magreza, acho que foi assim a vida inteira... O bom disso é que, querendo ou não, tive que passar por situações muito "amadurecedoras", e hoje meio que agradeço, pois me fizeram ser quem sou hoje, assim mesmo, forte.
    Sem o medo, talvez eu tivesse sido só mais uma atentadinha e chata dessas que te irritam, né? ahahah

    Beijos

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  2. Hahaha, eu acho 'curioso' quando as pessoas começam a me encarar. Começo a pensar que sou no mínimo muito interessante, e fico ali, bem de boa, pensando no que a pessoa está pensando enquanto olha pra mim, HAHAHA. *louca*
    E crianças gritando me irritam, e olha que eu AMO crianças, hahaha.
    E eu sempre era quietinha nos lugares onde tinha que ser, apesar de ser bem magrinha, haha. Mas funcionava também na base do: Se você não se comportar, sabe o que vai acontecer quando chegarmos em casa.. hahaha.. Minhas tias brincam dizendo que minha mãe é um general, batem continência quando ela chega.. mas no fim das contas dizem que os filhos delas precisavam passar um tempo com mamãe pra voltar com a nossa educação (minha e de helena).
    =P
    Beijos!

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  3. Quieta coisa nenhuma, essa gordinha devia estar com fome e sem energia e lamentando o fato da mãe dela não ter comprado um saquinho de balas ao invés de um saquinho de adesivos!

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