E então que meus pais vieram me contar que iríamos viajar. Fiquei feliz. É difícil eles quererem sair de casa. Que bom. Me perguntaram uma sugestão de lugar pra ir, eu prontamente lembrei de uma das melhores viagens da minha vida. Angra dos Reis, sugeri. Eu ainda me lembro de como aquele lugar era lindo. Com tantas flores coloridas margeando a água límpida. Eles prontamente aceitaram. Eu fui procurar o contato da melhor guia turístico da região, que eu já conhecia por causa da outra vez que fui pra lá. Dirce. Ou Dulce, não importa. O que importa é que eu me lembrava da boa companhia que ela era, sempre feliz e empolgada, nos mostrando os melhores lugares para se conhecer e explicando o porque de tudo lá ser tão lindo. E fomos. Eu e meus pais. Chegando lá, reparei no quanto Dirce havia envelhecido. Engordado. E com os cabelos mais grisalhos e menos arrumados, ela tentava já sem a empolgação anterior nos dizer que os encantos do lugar ainda permaneciam iguais aos que eu havia conhecido anos antes. Que bom, falei. Deixei meus pais conversando um pouco mais com Dulce e fui me aventurar pelas águas límpidas. Meio desconfiada, eu analisava o lugar e imaginava se mais tarde meus pais também ficariam tão felizes e satisfeitos em estar em um lugar tão mágico como eu estive anos antes. Reparava em cada flor colorida nas margens de todos os lagos, pra ver se ainda estavam todas lá. E mergulhava, de biquíni, na água tão azul e tão límpida, me deliciando com a temperatura e pensando que apesar de algumas mudanças e alguma deterioração causada pelo tempo, sim. Aquele lugar ainda continuava sendo o paraíso.
Foi então que no meio do meu mergulho e em meio a meus pensamentos, avistei ali há pouco mais de 1 metro de mim, dentro da água mesmo, uma ratazana. Enorme, devia ter uns 40, 50 centímetros. Morta, boiando na água. E fiquei horrorizada como fico quando me deparo com qualquer tipo de rato no meu caminho. Chocada por estar nadando na mesma água que aquele cadáver, mas satisfeita por ela estar morta. E então eu me lembrei. Lembrei que anos antes, apesar de não ter me deparado com esse fato, Dirce havia nos orientado a respeito das ratazanas. Que se fingiam de mortas na água, para enganar outros animais, até que chegassem perto e elas os abocanhassem. E que apesar de denotarem certo ar de sujeira e má conservação, eram nativas do lugar e faziam parte da cadeia alimentar da fauna local. Ainda assim, as pessoas responsáveis pela conservação do parque eram orientadas a se livrar delas, para que não causassem má impressão aos visitantes.
Lembrei de tudo isso e pensei que avistar ali uma ratazana se fingindo de morta infelizmente era mais um indício de que o lugar já não era tão lindo como antes. E, pensando nisso, observei que ela já não estava mais imóvel. Agora ela nadava. Na minha direção. E não, ela realmente não ia me comer, tamanha desproporção de quantidade de alimento eu daria. Mas nada a impediria de me dar algumas mordidas. Eu em meio à solidariedade de não querer matar um animal nativo e ao nojo pelo fato de sequer imaginar fazê-lo estando nós dois mergulhados no mesmo lago e com tamanha proximidade. Eu já estava com nojo do animal vivo, imagina morto e com entranhas boiando. Não. A ratazana nadava em minha direção e eu, calmamente, com o pé, a empurrava levemente para trás. E então ela investia novamente e nadava ferozmente na minha direção. E eu, de novo, a empurrava com o pé pra trás.
Deu-se uma meia dúzia de tentativas minhas de afastá-la, inutilmente, porque ela continuava nadando em minha direção. Até que decidi tomar uma atitude mais radical. Levantei o pé e a chutei bruscamente e com toda a minha força para longe.
E foi assim que, essa noite, eu chutei a parede. Putaqueopariu, doeu horrores. Meu dedão está ainda aqui latejando e vermelho como se não houvesse amanhã. Meu Deus, cúmulo da burrice chutar a parede durante um sonho. Nunca pensei que um dia eu fosse chegar nessa situação. Ave Maria.
Com certeza, aquele animal está rindo da minha cara até agora. fdp.