segunda-feira, 25 de julho de 2011

Amy, Carol e eu

Foi em algum dia do ano passado ou retrasado que a Carol, minha prima, mudou-se. Era longe pra ela a casa da mãe, em São Bernardo do Campo, até a faculdade, na Usp, do outro lado da cidade. Carol arrumou um trabalho por aqui na zona oeste também e era impossível ir e voltar de SBC todos os dias nesse trânsito de São Paulo. Então ela resolveu, a mãe apoiou, e Carol alugou um apartamento em Perdizes, aqui pertinho. Aos 24 anos então, Carolina começou a morar sozinha. Da turma do 0ba-oba como sempre foi, Carol usa o apartamento não só pra dormir, mas também para várias reuniões com amigos quase todos os dias. Tudo regado à muitos petiscos e cerveja - porque ela é da minha família e gente na nossa casa sai satisfeito no quesito comes e bebes.

Sendo nós - primos de meu lado paterno - em 9 pessoas, fica relativamente fácil fazer qualquer reunião em que estejamos todos os primos juntos. E se levarmos em consideração que a mais velha tem 31 e o mais novo 15, estamos praticamente todos ali balanceando em uma escadinha de idades muito próximas, o que torna mais fácil ainda o nosso convívio além almoços familiares de Natal.

Carol quando se mudou e arrumou basicamente seu apto no quesito móveis, foi intimada a nos convidar. Um encontro de primos pra inaugurar o apê novo, dissemos. E assim foi. E eu me lembro nitidamente de estarmos todos lá (com exceção da prima mais velha, já casada e com filhos, que mora em Porto Alegre) sentados no sofá revestido de couro preto e a poltrona vermelha de couro no canto, comendo brusquetas e enroladinhos de salsicha e falando muita coisa inútil. E durante todo esse tempo que durou o nosso encontro, em um intervalo ou outro em que o Leandro contava do dia que vomitou no carro dirigindo e sua namorada e irmã tiveram tanto nojo que todo mundo vomitou tudo (e depois eles passaram frio na viagem São Paulo/Campinas porque fazia uns 10 graus e eles tiveram que viajar com os vidros todos abertos - e mais tarde ele precisou vender o carro porque nada tirou aquele cheiro de vômito dos cintos de segurança) - assistíamos Amy Winehouse na tv. A Carol havia comprado o dvd daquela moça que eu tinha ouvido falar pouco (eu digo pra vocês que eu sou atrasada, só eu que descobri há pouco quem é Adele) e via ali, naquele dvd, pela primeira vez, a fisionomia da dona daquela voz que da primeira vez que eu ouvi achei que era uma música gravada nos entornos de 1950. E enquanto o Leandro contava da vez que estava sem cueca e fez cocô que caiu e foi parar no elástico na perna da calça de moletom, eu assistia ali a performance de Amy, montada no ninho na cabeça e muito delineador, tentando decifrar se aquilo ali era mesmo a voz dela ou se era tipo esse pessoal que força a voz pra ser algo que não é e acaba a vida com câncer na garganta tipo Marina Lima ou Guilherme Arantes (eu não sei se eles tiveram câncer tá gente, foi só exemplo de gente que um dia a voz acaba).

No dia seguinte, eu ainda com a voz espetacular da moça na cabeça, decidi colocar a minha "indústria de pirataria" (por Anna Vitória) em prática e decidi baixar os únicos dois cds que Amy Winehouse fez nessa vida. E já ouvi bastante, posso dizer. Só que ao mesmo tempo eu também baixei o cd da Duffy, estrela da música soul que surgiu na mesma época, mas não teve o mesmo boom que Amy e melou geral no segundo cd. Mesmo assim eu sempre comparei Amy com Duffy e o meu gosto auditivo sempre foi mais à lá Duffy, mas a partir daí passei sempre a acompanhar dados a respeito das duas - mesmo porque os fatos da mídia sobre Amy Winehouse não me deixavam esquecer da existência dela.

Alguns meses depois foi a minha vez de ir morar sozinha e foi atrás de mim que os primos ficaram para fazermos alguma coisa em casa e comemorarmos o acontecimento. Demorou um pouquinho pra acontecer - mesmo porque a Carol é mais desencanada na vida, mas eu sou neurótica e precisava que as coisas estivessem com um mínimo de organização para poder convidá-los (mesmo com eles jurando que sentariam no chão sem problemas).

Foi janeiro desse ano que eu esperei todo mundo chegar de viagem de festas e marquei lá em casa uns comes e bebes pra chamar os primos. Foi um milagre que aconteceu da agenda de todos bater e estarem disponíveis para ir (eu fiquei uns 6 meses tentando marcar e sempre alguém não podia). Mas a Carol, que mora relativamente perto de casa, já tinha ido sozinha conhecer meu apartamento novo anteriormente. E então, na semana do encontro de primos pra inaugurar o meu apartamento, a Carol mandou um e-mail dizendo que não ia poder. Em protesto geral da nação, xingamos Carolina de tudo o que estava em nosso alcance no momento, mas o argumento dela foi fatal: "desculpem, não vou poder, eu tinha esquecido. Comprei o ingresso para o show da Amy Winehouse e é bem nesse dia!". Nós, família roqueira que somos, a gente não paga 100 reais em uma calça jeans mas paga 720 em um show do Bon Jovi, nos rendemos ao argumento dela. E a privamos da nossa companhia pra poder assistir a Amy (tudo bem que eu perguntei milhares de vezes se ela gostava mais da Amy ou dos primos, mas ok).

E então, em um belo sábado de sol à tarde, enquanto os primos gritavam horrores (e eu estava esperando a hora que os vizinhos iam ligar pra reclamar) jogando um simples Imagem e Ação (imagina se fosse truco!), enquanto eu imitava mal e timidamente um macaco - e a minha equipe adivinhava que a palavra era Planeta dos Macacos, enquanto Leandro, Rafael e Daniel faziam campeonato de "quem peida mais no tapete de pelinhos da Rê" e enquanto assistíamos dessa vez a Duffy na tv, nos perguntávamos se a Carol estava bem na fila do show. Se já havia entrado. Se estava feliz. Se estava curtindo.

É, porque a primeira afirmação que eu ouvi da boca da Carol sobre Amy Winehouse foi naquela inauguração do apto dela. "Essa mulher precisa vir fazer show aqui pra eu poder ir". E então quando a Carol veio furar o nosso evento e eu perguntei se ela gostava mais da Amy do que de nós, ela concluiu dizendo que "lógico que eu amo mais vocês, mas eu não sei se a Amy vai ficar viva por muito tempo. Na verdade eu já comprei o ingresso meio com medo de ela morrer nesse meio tempo."

Carol faltou no nosso encontro de primos e foi no show da Amy. Voltou feliz, dizendo que tinha gostado e que a voz da moça era mesmo sensacional. Mas imitou no meio da sala da casa da vó a postura e a expressão de derrotada que a Amy fez durante todo o show. Encolhida. Sem olhar o público. Cambaleando. Farrapo humano. E a Carol concluiu seu relato sobre o show dizendo "voz sensacional. Mas ela não vai ficar viva por muito tempo."


Eu estava almoçando feliz da vida um peixe que havia acabado de comprar no sábado porque eu estava com desejo (só eu devo ter desejo de comer peixe nessa vida) e fiz na frigideira mesmo porque eu não tenho chapa, mas mesmo assim ficou bom demais e tava ali comendo e pensando que aqueles 20 reais que eu paguei em 1 kg de peixe tinham valido cada centavo. E então a moça estranha que ficou no lugar do Evaristo no Jornal Hoje comentou com a cara séria que "a última notícia era" e antes de ela terminar de dizer eu já sabia que alguém tinha morrido e fiquei ali rapidamente eu e meu cérebro tentando adivinhar qual seria o pé-rapado e sem importância que finalmente bateu as botas. E quando ela disse Amy Winehouse eu esqueci que tava comendo o peixe mais maravilhoso de todos os tempos e fiquei chateada. Fiquei pensando que porra, Amy, tão participante dos meus encontros de primos! Como assim que morre? Amy, a dona da voz sensacional. Amy, a mulher que ganhou toda a mídia da polêmica depois que Michael Jackson se foi.

E então eu passei de "nossa que peixe sensacional" para "poxa, que pena". Sabe? Valeska Popozuda não morre, esse inferno. Esse pessoal aí do funk. Da música merda. Belo vai e volta da cadeia mas está lá inteirão. Latino, que se eu encontrasse ele na rua passava com o carro por cima e ainda dava ré, tá lá, vivo. Wanessa Camargo, que com certeza deixou sequelas em meus ouvidos depois de ter cantado sem música ontem no Faustão... viva. E todos esses neguinhos à lá Nelly e Puff Daddy que fazem essas músicas bunda e que eu aposto que todo mundo que tava fazendo piada e dizendo que Amy já foi tarde anteontem no twitter gostam e acham que isso é boa música. Eu só observo que funk e rap só tocam em carro de gente que ganha dinheiro de forma suspeita. Porque eu acho que se você ouvir a sua música em volume adequado, pouco me importa que porra que você tá ouvindo. Se mata aí no sertanejo universitário e no Restart e não me enche. Mas não. Tem gente que tem a moral de levantar a bunda da cadeira e se movimentar só pra agredir os outros e falar mal das coisas que os outros gostam. Falta de respeito, não tem outro nome pra isso. Deixa eu só avisar: VOCÊS TAMBÉM VÃO MORRER.

Sobre a Amy, eu não era fã. Eu também achei que todo aquele Fantástico de ontem sobre ela foi exagerado. Daniela Mercury, minha nega, falta ainda muito arroz e feijão (e algumas encarnações) pra você ficar com a voz da Amy Winehouse. E eu concordo que Amy não era o Michael Jackson - não precisava de tanto exagero. Já as reportagens da MTV reprisando episódios com a história dela e alguns shows que ela fez, eu curti. Chuck cantou e tocou alguns pedaços de músicas dela pra passar nos intervalos, em uma versão que ficou ao mesmo tempo meio tétrica e meio homenagem ao mesmo tempo. Foi legal. Mas o fato é que eu acho que, mesmo sem ser fã, a mulher tinha uma voz sensacional. E não importa se ela era drogada, se era hora dela, se ela pegou a maldição dos 27 (não comparável com Janis Joplin e Jimi Hendrix, mas dona de uma voz sensacional tanto quanto), se o destino dela estava traçado. Eu acho triste que ela tenha morrido. E que mais um talento da música tenha se ido.

Acho triste quando as pessoas dizem que ela mereceu. Que procurou isso. Que já foi tarde. Triste que mais uma pessoa tenha se acabado assim. E, claro, tudo foi consequência. Mas eu acho medíocre essa coisa que as pessoas têm de enfiar o dedo na cara dos outros, sabe? Eu só lamento pelas mentes pequenas. E lamento, muito mesmo, por ela ter ido assim tão cedo.


Mas, talvez, se ela não tivesse sido "uma pessoa que aos 10 anos já achava a vida uma merda e tido tendências suicidas", se ela não tivesse enchido a cara de drogas e álcool, se ela não tivesse feito todas as suas músicas autobiográficas sobre os problemas em sua vida e se ela tivesse dito SIM, SIM, SIM para a reabilitação........ ela não teria sido tão brilhante.

Teria sido só Restart.

7 comentários:

  1. Eu nem assisti o Fantástico ontem porque sabia (dã) que ia ser só sobre a morte dela e na melhor das hipóteses sobre o atirador da Noruega.
    Tipo: não mereço.
    Preferi assistir o canal telecine aberto, já que é uma raridade alguém me dar algo de graça que dirá a Net...

    Eu tbm não era fã, fãã. Puta voz, puta talento, músicas incríveis e talz..acho lamentável.
    Claro que mesmo sabendo que isso é suicídio e que ela sempre buscou esta fuga..ainda assim é um choque.

    Pô..foi um choque receber a notícia do Michael..que tava pesando 35 quilos..Foi um choque receber a notícia dela também.
    Enfim.
    Só me pergunto onde estavam os amigos e a família quando tudo isso perdeu o rumo, quando a música perdeu o sentido para ela..
    Acho triste morrer assim, desperdiçando um talento e nos deixando aqui com Restart.
    RIP.


    (Eu acho bem que a Marina tem sim um problema na garganta. Ela e o Leonardo.)
    #muitacultura

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  2. Rê, arrasou mais uma vez. A senhorita anda inspirada ultimamente hein? Eu gosto de posts grandes, mas esses seus estão me dando vontade de ler mais e mais, e aí quando eles acabam me dão uma sensação de: Ela disse tudo o que poderia ser dito de melhor sobre isso. Depois eu falo que você é top e você diz que eu só falo isso pra você fazer o post sobre nós no sofá.. Humpff.
    Mas então, estou no mesmo barco que você, tirando a história da importância da Amy para seus encontros com os primos. Não era fã, mas achava a voz dela bem marcante, e fiquei chocada e triste quando soube da notícia da morte, enquanto muitos diziam que ela procurou. Se ela procurou ou não, sério, ninguém tem nada a ver com isso. Me dá um nó na garganta gigante olhar fotos dela, agora..
    E esse teu último parágrafo, depois da foto, ARRASOU. Eu só não twitto ele porque tem mais de 140 caracteres, e eu odeio twittar em partes..
    Beijos!

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  3. "funk e rap só tocam em carro de gente que ganha dinheiro de forma suspeita" ri muito e concordo plenamente. Eu não gosto de funk mas sou obrigada a ouvir todo fim de semana porque meus vizinhos são cariocas, ô povinho.

    Eu fui fã implacável da Amy lá pra 2008/2009, as músicas dela me lembram MUITO o Liceu, escola que eu estudei no ensino médio e como sai de lá traumatizada dei um pause nas músicas. A Amy vai deixar muitas saudades mas apesar dela ter morrido agora, ela já tinha morrido musicalmente há muito tempo. Eu fiquei MUITO chateada quando uma amiga me mandou uma sms falando, não tenho nenhum cd dela em casa, não cheguei a ir em nenhum show e a Duffy, minha atual substituta da Amy não curte fazer turnês. (Sim, também comparo as duas)

    beijos, Rê!

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  4. Não gostava do som dela, mas a voz realmente era sensacional
    assim como o seu texto, parabens!

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  5. Ah, sei lá, ela era uma ótima artista, sem dúvidas, não tem como questionar o talento e a voz que ela tinha. Não digo que mereceu, mas né, todo mundo sabia (ex: sua prima) que ela não ia durar muito mesmo. E o que me incomoda é essa coisa de santificar a pessoa só porque ela morreu. Morreu: pronto, virou O artista do século, O melhor de todos. Isso me irrita MUITO. Foi assim com o Michael, e infelizmente tem sido assim com a Amy.

    P.s:
    "Daniela Mercury, minha nega, falta ainda muito arroz e feijão (e algumas encarnações) pra você ficar com a voz da Amy Winehouse", vi isso no jornal e fiquei pensando "WTF?", porque né.. bizarro!

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  6. é né.. gente que fica escutando música "bunda" dentro do carro e que obriga as outras pessoas, no trânsito, a escutarem junto (vontade de morrer com isso)... e vc falou que eu era estressada quando tinha um fdp desse escutando uma bosta dessa perto do meu celtinha tão lindo e tão mpb!!! hunffff... morte ao latino e a Waleska do funk!!! (e olha que vc nem ta no nordeste escutando "eu te puxo e tu me lambe" (é.. vai lá e bota no youtube) a vida é dura!

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