terça-feira, 5 de julho de 2011

Sobre a Maldição da Internet

Quando eu era criança não existia internet. Nem rede social, nem computador. Nem nada parecido. O meio de comunicação em alta era o telefone e o motivo das grandes brigas nas casas era o valor da conta. Até na minha casa já chegou a acontecer. Comigo, que nem gosto de falar no telefone. Teve uma época lá que meu pai me encheu os pacovás porque eu falava muito com o namorado. Mas enfim.

Antigamente não tinha esse negócio de você abrir a página e ficar sabendo da vida das pessoas. Onde elas estão. Fazendo o que. Pensando o que. Comendo o que. Usando qual roupa. Sendo amigas de quem. Você simplesmente sabia das coisas porque o fulano contou pro beltrano que contou pro siclano que te ligou pra contar. E nem celular tinha, hein. A gente era obrigado a atender o telefone com fio na sala mesmo, no meio do almoço de domingo, com a família inteira ficando em silêncio pra ouvir o que você dizia e você lá toda sem graça respondendo "aham, ah é, talvez" quando o namorado no outro lado da linha dizia algo do tipo "quero você sem calcinha".

Os anos passavam, a gente mudava de classe na escola, gente entrava, gente saía. E nunca mais se tinha contato. "Dizem que fulano morreu, você viu?" Não, não vi. E até hoje não sei se é verdade. Porque o diz-que-me-diz era meio vago, a gente nunca podia acreditar plenamente. O que eu sei é que o tempo passou e eu perdi contato com as pessoas. Pessoas mudaram de casa e de número de telefone. E eu nunca mais as vi.

Eu posso me dar ao luxo de dizer que não lembro de mais de 10% das pessoas que passaram na minha vida. Lembro sequer das melhores amigas de infância. Justamente porque, naquela época, as melhores amigas de infância mudavam conforme os anos na escola. Ano novo, classes separadas? A falta de contato fazia com que as melhores amigas também fossem trocadas. E então, vinda eu de uma época em que o contato com as pessoas era restrito, hoje me pego aqui pensando se aquela moça da academia talvez não tenha estudado comigo no colégio. Ou pensando quem será que é aquela menina que encontro na fila da eleição, com rosto tão familiar. Ou aceitando convites de pessoas no Facebook que eu não faço a mínima idéia de quem sejam, mas que têm os mesmos amigos que eu e que estão, inclusive, lá na página da mesma desconhecida não só aceitando a amizade de bom grado, mas também deixando mensagens como "é uma imensa alegria te ver por aqui, estou morrendo de saudades". Ok, eu também aceitei. Se a minha amiga está morrendo de saudades daquela pessoa, é sinal de que ela também existiu na minha vida. Melhor aceitar então. Mesmo que eu não faça a mínima idéia de quem seja.

Hoje as pessoas da minha época se reencontram nas redes sociais. Depois de 10, 20 anos. E a gente (eu) não sabe mais como eram os relacionamentos passados. Eu sinceramente esqueço se eu gostava ou não gostava daquela pessoa. Se eu mal lembro da pessoa, imagine se vou lembrar o que eu achava ou deixava de achar a respeito dela. Esqueço das coisas que me faziam simpatizar ou não por ela. Esqueço, e daí de repente as pessoas se reencontram e eu só penso 'ah é, estudei junto, é boa gente então'. Mas não. No fundo no fundo, eu sei quem mais ou menos eu gostava ou deixava de gostar, mas por pura intuição. Eu lembro somente de coisas vagas, que aquele era o cdf que sentava na primeira cadeira e levava os livros da professora. E que aquela era O bullying da escola e que, veja bem, hoje é instrutora de academia e cheia de amigos.

Hoje as pessoas daquela época se reencontram e é necessário viver mais um tempo compartilhando momentos pra lembrarmos exatamente o que sentíamos por esse ou aquele. Saímos juntos um tempo pra lembrar que ah ta, aquele cara ali que eu beijei no Natal e que depois disso simplesmente me bloqueou no msn e vira a cara pra mim na rua (não fui eu não, é só um exemplo REAL, porém não meu - pq eu escovo os dentes! HAHAHA melhor parar senão recebo carta com anthrax) realmente há 20 anos atrás era um nerd que tremia nas bases em momentos que não devia e por isso lá, antigamente, eu já tinha decidido que não tinha motivos para manter amizade. Saímos juntos para lembrar que aquele cara insignificante e a gente só lembra o nome até hoje porque tinha outro na classe com o mesmo nome e era necessário dizer o sobrenome pra diferenciar, na verdade era insignificante porque só fazia amigos quando lhe convinha, visto que foi necessário um tempo razoável de reaproximação e conversas inapropriadas e divertidas que foram simplesmente deixadas de lado quando ele simplesmente achou que devia e você ficou no vácuo. Ou aquela menina feia e com o cabelo feio, que um dia chegou razoavelmente apresentável e simpática e todo mundo só lembrou pra comentar do choque de transformação, mas que depois de um tempo simplesmente acabou a conversa e os novos-velhos-amigos lembraram que ah, verdade. Há 20 anos atrás ela não era só feia e com o cabelo feio. Era desinteressante também.


Hoje não dá pra esquecer das pessoas. Hoje todo mundo é conectado na internet. Hoje todo mundo está dizendo como está, com quem está, comendo o que, fazendo o que, assistindo qual filme, fazendo sexo com quem, xingando o chefe de que e com a unha de qual cor. Hoje eu consigo saber da vida dos meus 179 "amigos" do Facebook ao mesmo tempo. Mais 173 no Orkut. Hoje ninguém pode se dar ao luxo de esquecer de alguém. De não lembrar o nome de alguém. De não saber da onde conhece. De saber o nome e não conseguir ligar à pessoa. De não ter mais notícias. Daí você, pessoa chata de plantão, vai me dizer: saia das redes sociais! Desligue esse computador! Delete esse twitter! Desinstale esse Instagram do seu iPhone! E aí, meu filho, eu vou te responder que eu vou chegar domingo pra almoçar na casa da minha mãe e meu pai vai me dizer "Você viu as fotos que a fulana postou? Nossa, tá gorda/magra/velha/feia!" E eu juro que estou aqui dizendo o exemplo MÍNIMO do fato, visto que meus pais entendem de internet tal qual eu entendo de mecânica. Imagine o tanto de informações que as pessoas integrantes de todas as redes sociais e com 600 amigos em cada uma têm pra te contar a respeito dos contatos dela que você também conhece.

Então eu fico aqui pensando, sabe. Já pensou essas criancinhas que estão começando a vida escolar agora? O tanto de contatos no Facebook que vão acumular durante uma vida? O tanto de gente presente e viva e divulgando sua própria vida pra quem quiser ver? O tanto de sufoco de informações que isso vai causar um dia? É, porque daqui 30 anos as crianças de hoje saberão exatamente quem era amigo no passado e quem não era. E saberão exatamente quem é aquela pessoa que passa ali na rua e que estudou com ela há 20 anos atrás e sabe, inclusive, até o que a pessoa comeu ontem. Daqui 30 anos as crianças de hoje não precisarão mais reencontrar os amigos de escola. Pra reviver os momentos. Pra beijar tardiamente quem queria antes e não tinha conseguido. Pra ter a surpresa de ver que nossa, aquela mina com cabelo capacete hoje descobriu que existe chapinha. Ou perguntar pra alguém "o que foi que houve exatamente com você nesses 15 anos que te transformaram de um cara divertido e popular nessa pessoa confusa e que sai pregando sua religião PRA MIM, que odeio isso??"

Não haverá emoções de reencontros. Não haverá surpresas de 'nossa, você emagreceu/pintou o cabelo/teve 5 filhos um de cada pai!'. Não. A internet está aí todos os dias. Pra fazer a gente lembrar de cada um. Pra acompanhar a vida e os pensamentos de cada conhecido. E pra gente ter certeza e nenhuma dúvida que é. Eu convivi mesmo com esse bando de gente chata, e a cada dia que passa eles ficam mais chatos. Ai que tédio.

8 comentários:

  1. Sei lá, não me interesso tanto assim pela vida de todo mundo. Só de quem eu gosto. Não acompanho o que um fulano sei lá quem comeu ontem ou de que cor estão as unhas das minhas amigas - que são, na verdade, muito poucas. A gente vê o que quer. Lê o que quer. Me dou ao direito de ser seletiva. E de esquecer, sim. No melhor estilo "de onde a gente se conhece mesmo?". E de lembrar. Não vou a reuniões de classe de 1993 da escola tal. Enfim, ainda acho que tudo é questão de escolha.
    Bjs.

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  2. É, sempre existirão as vantagens e as desvantagens.. Mas stalkear é mesmo um vício, hahaha. Curiosa do jeito que eu sempre fui, é uma delícia investigar a vida alheia.. =P
    Mas quando alguém vem me dizer alguma coisa que eu disse no face, twitter, ou blog eu sempre assusto e grito: COMO VOCÊ DESCOBRIU ISSO? Até lembrar que, ah, eu também posso ser stalkeada, hahaha.
    Beijos querida!

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  3. Eu acho que ainda não dá pra saber os efeitos que essa vida conectada vão gerar nas novas gerações. A nossa geração (imagino que você tenha, sei lá, de 18 a 25 anos) pegou um momento de transição. Pra gente é mais difícil se adaptar. Pra eles (os que estão nascendo agora) vai ser algo absolutamente orgânico. E eles vão encontrar suas maneiras de se surpreender, e de se reencontrar...

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  4. Nossa! Vc escreveu uma grande verdade...é triste isso.... A internet tem suas coisas boas, mas sei lá...no passado a gente era mais feliz! rs

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  5. Poxa, eu nunca tinha pensado por esse lado. Fiquei até meio deprimida agora.
    Engraçado que quando fui fazer vestibular, encontrei com uma menina na porta da universidade, que tinha estudado comigo na primeira série e EU NUNCA MAIS vi, nem online, nem offline. E daí que essa menina, com sete anos, era o cão chupando manga. Um dia ela acusou uma menina, que hoje é minha melhor amiga, de ter roubado um anel dela e espalhou isso pra escola inteirinha enquanto o anel estava dentro da bolsa da infeliz. Lembro direitinho dela me chamando no banheiro e falando pra eu não ser mais amiga da Anaisa porque ela era ladra.
    Essa menina me surge na porta da UFU, me abraça, diz que nos éramos super-amigas, e eu só lembrei da menina porque ela usava os mesmos óculos fundo de garrafa.
    Eu tenho uma lembrança bem boa de todo mundo que já estudou comigo, do tipo de lembrar detalhes, episódios, nome dos irmãos... sou meio stalker de natureza e ainda tenho a cabeça boa pra pessoas.
    Beijos

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  6. Juro que achava que era só comigo.
    Meus amigos de infância subtraíam a cada ano, a fim de serem substituídos por outros tantos. Foi assim até o término do ginásio, mas no colegial descobri algumas amizades verdadeiras e fiquei feliz.
    Hoje em dia, todo mundo se conecta.
    Estranho pensar que houve um tempo em que a internet não existia, haha.
    Beijo.

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  7. Sabe que sinto saudade daquele tempo do telefone com fio na sala? Não que eu não goste de Internet e da tecnologia de hoje, mas até que era gostoso passar horas ao telefone fofocando com a amiga da
    7ª série B!! Infelizmente perdi contato com quase todos os meus amigos do colégio (acho que só tenho contato com uma amiga)e até porque estudei um tempo no interior e desse povo nunca mais ouvi falar! Faz parte da vida né, ou melhor, faz parte da vida das pessoas de mais de 30 anos! Rs! Beijos

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  8. Ah! Eu adoro stalkear, cara, faço sem nem perceber! Conheço alguém, no outro dia já estou stalkeando. Mas, é verdade, seu último parágrafo também me deprimiu... Eu já sinto falta das cartas, e agora olhando por esse lado, daqui a uns anos acho que sentirei falta de muitas outras coisas também. Apesar de que, não sei, surgem outras sensações. Outro dia mesmo reencontrei uma melhor amiga da primeira série no Orkut... e foi bom! Não sei como teria sido caso não tivesse acontecido na internet, mas ainda assim foi bom.

    Beijos, Rê!

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