Vermelho é a minha cor preferida. Menos para batons. E calças também, visto que antes de nascer eu devo ter pedido pra vir com a bunda avantajada. Apesar disso, já tive uma calça vermelha. Antes, MUITO antes da moda Restart. Aliás, faz tanto tempo que parece que foi em outra vida. Enfim. Eu queria falar de calçados.
Eu era pequena, bem pequena mesmo, quando dei por mim que gostava de sapatos. Muito provavelmente porque eu passei alguns longos anos da minha vida usando botas ortopédicas. E era feio. Bem feio. Mas eu, do alto dos meus 4 anos, não pensava nisso. Eu pensava mesmo era na hora da refeição (queria fugir pra China nessas horas, se pudesse - eu era uma criança avessa à comida). Mas, claro, não é nada fácil viver e mais difícil ainda CONVIVER. Do alto de meus 4 anos de vida, eu na escola, já sabia ler e escrever. E já passava por situações cujas quais me deixavam pensando POR QUE, meu Deus, exatamente, eu vim parar aqui. Tipo quando meus colegas de escola diziam que meus sapatos eram feios. Sim, eu sofri bullying. Por usar botas ortopédicas. E foi TÃO ruim sofrer isso aos 4 anos de idade, que até escrevendo essas linhas aqui, vinte e tralalá de anos depois, eu ainda sinto um pouco da angústia que sentia quando alguém comentava dos meus sapatos. Eu, neném, recém nascida nesse mundo cão, ainda não sabia me defender. Mas com certeza se a vida fosse essa coisa de Benjamin Button e se aos 4 anos de vida eu já fosse tão experiente quanto hoje nessa coisa de lidar com seres humanos, com certeza eu teria tirado aquelas botas ortopédicas pesadíssimas pra dar com aquele solado de madeira bem na cara de quem comentava com maldade a respeito delas.
A meu favor tenho a dizer que aquele bullying (vai tirar sarro de QUALQUER pessoa que use ao menos um aparelho dentário hoje! Capaz de ser processado por danos morais, independente da idade do agressor!) me ajudou no início de meu aprendizado a respeito de como lidar com essa raça que se diz inteligente. E mais: hoje eu tenho os pés mais lindos que alguém poderia ter. E é a opinião geral da nação que tem o prazer de desfrutar da minha beleza.
Passei longos anos (acho que uns três) usando daquele negócio feio que eu não tinha reparado antes, mas que os mini-energúmenos que estudavam comigo naquela época fizeram o favor de fazer com que eu reparasse nisso. E me importasse. Muito. E então nessa época eu já reparava nos pés das pessoas. Nas pessoas da minha idade, principalmente. Nas meninas, quase sempre. Que usavam aqueles lindos sapatinhos envernizados (porque ninguém usava tênis naquela época - ainda não havia produtos importados no Brasil, gente) que hoje só se usa em casamentos ou ocasiões especiais. Mas os sapatos naquela época já eram lindos. Pra mim, principalmente. Que tinha um par de botas ortopédicas preto e um branco. Eu olhava nos pés das coleguinhas e babava nos sapatos. E então meu mundo caiu quando a febre geral da nação foi a Melissinha.
Aos 6 anos, eu me lembro como se fosse ontem, eu fui ao ortopedista que olhou meus pés e disse que nunca mais eu precisaria usar daquelas botas. E essa talvez tenha sido a primeira das alegrias da minha vida. Agora eu poderia abusar de todos os sapatos e sandálias que pudesse do mundo todo. E pedi uma Melissinha. Mas esse mundo não é justo, já diria Amy Winehouse aos 10 anos, e eu descobri que tinha alergia de sapatos de plástico. E a Melissa foi-se embora quase que pra sempre da minha vida. Quase. Porque esses dias eu comprei a primeira Melissa Aranha da minha vida.
Mas aos 6 anos de idade, eu precisava calçar algo nos pés. Tênis era uma coisa que não existia (Fernando Collor só liberou o comércio internacional em 1991), eu não podia usar sandálias de plástico e meus pais não eram lá muito bem de vida a ponto de eu poder ter muitos sapatos. Então eu pedi pra minha mãe uma sandália de tirinhas. Vermelha. Porque eu tinha visto em alguém. Não satisfeita, pedi uma bolsa. Com listrinhas vermelhas. Porque eu também tinha visto em alguém. E lá naquela época começou a minha paixão por vermelho.
De lá pra cá eu quis muita coisa vermelha. Muita mesmo. Mas na época de usar a minha sandália de listrinhas, era obrigatório usar uniforme na escola. Mesmo nas escolas públicas, o que era o meu caso. E o tênis fazia parte do uniforme. E aí mesmo antes do comércio internacional e mesmo antes desses tênis de marca que bombavam (e que perigava a galera voltar só de meias pra casa), a gente usava uma coisa tipo isso. Ou isso. E aí voltei eu para a obrigação de usar calçados ridículos (mas se lembrar das saias azul marinho pregueadas com short vermelho - ao menos era vermelho! - bufante por baixo aí sim me jogo da ponte).
Daí um belo dia eu acordei em 1998. Na faculdade. Fazendo estágio. E precisando usar algo mais plausível nos pés. E então comprei scarpins. Que, dentre todos os modelos de sapatos, eu prefiro. Acho elegante, gosto dessa coisa com salto fino e bico. Eu não nasci para usar sapatos plataforma. E então, minha gente, Marta Suplicy ainda não tinha sido eleita pra trocar toda a calçada da Avenida Paulista. E eu camelei, muito-muito-muito mesmo, em trajetos entre a faculdade e os estágios que tive, por entre aquelas pedrinhas do hell que sempre foram o calçamento da avenida mais importante da cidade. E mano, não era fácil. Pegar ônibus, andar-andar-andar, subir e descer escada. Do alto de toda a minha elegância em scarpins, lá pelas 2 horas da tarde eu já tava querendo que o mundo acabasse em bomba atômica. Não era fácil não. E gente, quer me tirar do sério é eu estar com o pé doendo. Pé doer por causa de sapato está no topo da minha lista de coisas que me deixam de mau humor. Sério. Vontade que o mundo acabasse só pra eu poder parar pra tirar aquela porra de sapato que machuca do meu pé!
E então alguém (que deve ter sido mulher) inventou (ou re-inventou, não sei) a moda das sapatilhas. E aí mudou a minha vida. E então de repente eu usava aquilo que era bonito e confortável. Que combinava tanto com o jeans que eu usava na faculdade, quanto com a roupa social que usava no estágio. Combinava tanto de dia quanto de tarde. E à noite, no começo eu até ia de salto. Elegante, claro. Mas com dois poréns: 1 - NÃO DÁ pra dançar de salto nessa vida. Juro que acho insano quem faz isso. Depois de 15 minutos eu já tenho vontade de todo aquele lance da bomba atômica e tals. E 2 - Eu sou uma mulher alta. 1,72m, pra ser mais precisa. E devo dizer que há poucos homens compatíveis comigo nesse quesito. O mundo é dos baixinhos. E daí entro eu, na balada, do alto de meus 1,72m, olhando somente para homens que eu enxergue acima da linha do meu nariz. E aí vem a decepção: vai ter só uns 2. Muito provavelmente, acompanhados de alguma baixinha de 1,50m.
Sapatilhas são a opção pra proteger os pés (na aula de dança, principalmente). São a opção pra quem não teve tempo de fazer as unhas. E pra quem tem pé feio, porque até quem tem pé de pato fica menos horroroso se usar sapatilha. E a gente que vê de fora também não precisa morrer de horror como morre quando vê uma mulher usando sandálias menores que os pés e com os dedos caindo pra fora. E calos. E formatos de unha horrorosos, mais curvados que de gavião. Eu, apesar de ter pés lindos, odeio gente olhando pra eles. E adotei as sapatilhas para ir à balada TAMBÉM. E pra ir na aula de dança. E em eventos sociais. E em passeios no shopping. E ao cinema. Teatro. Museu. E pra tomar sorvete. E pra buscar a pizza na portaria. E pra ir ao parque. Almoço em família.
Sapatilhas foram uma das melhores invenções da face da terra. Mas as vermelhas, mais. Porque vermelho é a minha cor preferida. Porque eu não consigo olhar uma sapatilha vermelha na vitrine e não me apaixonar no mesmo instante. Porque sapatos vermelhos são diferentes sem deixar de ser clássico. Feminino. Porque você pode estar a maior pobrezinha e descabelada no resto do corpo, que se botar uma sapatilha vermelha vai ficar chique. Vai chamar a atenção. E chama a atenção para os pés, sem mostrá-los totalmente. Sapatilhas vermelhas são o moderno. O meigo. O delicado. E eu vivi uns 3 longos anos da minha vida sofrendo por usar botas ortopédicas, mas se tudo isso foi pra chegar aqui hoje e ter pés perfeitos que fiquem mais lindos ainda usando sapatilhas vermelhas (e eu tenho uma coleção delas)... é porque tudo valeu a pena. ♥