Ah, a vida social. Tão difícil de viver. Amar cinema, mas ter problemas em frequentá-lo aos finais de semana. Porque sexta, sábado e domingo (e quarta-feira, que é meia entrada!) são os piores dias possíveis para ir ao cinema. São aqueles dias em que as pessoas fazem questão de se amontoar umas em cima das outras. São os dias em que os pais separados levam seus filhos de pais separados para passear. Porque é um dia que eles TÊM que passear. Tipo, um momento que deveria ser leve e feliz e intuitivo se transforma NA OBRIGAÇÃO de ter que levar os filhos para passear. Mas é uma obrigação velada. Imagina. É ótimo levar os filhos pra passear. Foi tudo o que eles sempre quiseram. Babar o ovo do filho só pra tentar ser melhor que a mãe em dois míseros dias. E olha aqui a pipoca, meu filhote. E o refrigerante. E a bala. Blusa. Chiclete. Brinquedo! Vamos no cinema, garotão? Vamos. Que que a gente vai assistir? Ah, sei lá, chegando lá a gente ver. VAMOS VER AQUELE FILME QUE A RENATA QUER VER. E DAÍ A GENTE APROVEITA E SENTA DO LADO DELA, NÃO É SUPIMPA? Então. Essa é a sensação que eu tenho quando vou ao cinema aos finais de semana. Que o mundo inteiro quis sentar ao meu lado. Atrás de mim, a mãe dedicada que lê a legenda do filme para o filho "retardado" que enquanto isso chuta o assento da minha cadeira. Enquanto de um lado a criatura quase derruba o refrigerante em mim, do outro a pessoa não sabe onde botar a blusa que de repente fez o maior calor e, adivinha, sobrou pra ficar no meu colo! E na frente? Na frente sempre senta alguém que DEVE TER DOR DE BARRIGA, ou hemorróida, ou algo do tipo, porque nunca, NUNCA é alguém que para quieto na poltrona.
Ah, a vida em sociedade. Passear na rua nas tardes de domingo. Aquela paz, aquela calmaria. E todos os carrinhos de bebês do mundo que atravessam ensandecidamente na minha frente bem naquela hora que não dá mais pra brecar. E os cachorros. E as crianças. E os patinetes. Mas quem é que quer passear nas tardes de domingo? Não, melhor coisa é ir no mercado.
Eu e a população mundial. No mercado. Não importa a hora do dia, se não for de manhã cedinho 8h da manhã assim que abre, se eu não vou na hora das velhinhas, adivinha. O mundo todo resolve ir comigo. E aí é um tal de JUNIOR, PEGA ALI O REQUEIJÃO, JUSTO AQUELE QUE A RENATA ESTÁ PEGANDO AGORA que meudeus. O mundo resolve ir comigo, de corredor em corredor, como uma grande canção dos Beatles Love, Love me do. You know, I love you. E então vamos todos juntos, lata de milho a vidro de maionese, cantando e dando as mãos. Às vezes eu tenho mesmo a impressão de que as pessoas fazem uma roda ao meu redor, tipo ciranda-cirandinha. É toda uma emoção.
Mas imagina, eu sou uma moça solteira. Tenho que ir pra balada pra aproveitar a vida. ATÁ. Às vezes eu tenho que me convencer disso. Daí eu vou. Chego no lugar e, danças do acasalamento à parte (em toda balada SEMPRE tem danças do acasalamento), é toda aquela emoção. Sensação de que todo mundo olha pra você porque, naquele momento, você é o frango da padaria que sai dançandinho no meio de um monte de cachorros vira latas, tipo desenho do Pica Pau. Ah, a balada. Ah, a socialização.
Ah, a família. Coisa bonita de se ver. Todo mundo parecido, falando no mesmo tom de voz e com toda a personalidade parecida (imaginem um monte de Renatas falando tudo junto). Família é uma coisa divertida. Aquilo ali de você ver qual será o seu futuro, tudo ali bem diante do seu nariz. É simples, só juntar toda a sua família, bater no liquidificador e voilá. Seu futuro. Aquela bunda caída que a sua tia tem, você também terá. Aquela coisa que a tia avó diz, que os pelos das partes baixas estão brancos, os seus também ficarão. Aquela gastrite/esporão/burcite que você também terá, claro. Tá preocupada com as varizes? Olha a perna da sua avó. Porque a sua também ficará igual. Ah, família. Aquele povo que te diz NOSSA RENATA COMO VOCÊ ENGORDOU/ENVELHECEU/EMPELANCOU desde a última vez que eu te vi! Você viu que sua prima viajou/casou/empirigou/botou silicone na bunda? E você ficou lá limpando a casa enquanto isso? E o trabalho/a casa/os amigos E QUE COISA QUE VOCÊ NUNCA ARRUMA UM NAMORADO! Ah, a família. Gente da gente.
É por isso que, via de regra, eu prefiro o meu lar. Ah, a tranquilidade da vida. Ah, o meu pequeno sofá fielmente localizado na melhor parede da sala, porque me dá visão ampla de tudo, desde a tv, o céu da varanda e todos os outros cômodos, para o caso de eu assistir The Walking Dead e não ser pega desprevenida por zumbis que queiram adentrar no meu apartamento. Meus quadros fielmente localizados no ângulo perfeito de cada parede, assim como minhas plantas e flores, cujas quais eu já contei quantas argolinhas da corrente que os pendura no teto devem ter, já que elas formam um padrão. Meus discos, meus livros, meus filmes. Todos arrumadinhos em uma harmonia perfeita que dá gosto de olhar (e cujo quarto eu fecho a porta quando recebo visitas, já que esse povo não tem total noção de que não deve pedir NADA meu emprestado - já que, via de regra, é tudo sempre igual: ou não volta mais, ou volta em estado de lixo). Ah, meus armários. Com tudo fielmente arrumado para minha satisfação ao abrir as portas. Como é lindo viver. Sheldon Cooper me entenderia perfeitamente. Mas não só ele.
Em todos esses 33 anos nessa indústria vital, eu achei que fosse única. Achei que minhas neuroses e manias fossem únicas. Mas um dia eu achei alguém igual. MUITO IGUAL.
Há exatos 19 anos existe uma mineira de Berlândia que consegue ter exatamente os mesmos pensamentos que eu. E as mesmas atitudes. O mesmo pensamento de arrumar desculpas infinitas para os amigos só pra não ter que sair de casa e poder ficar assistindo séries de pijama no sofá. Alguém que prefere viver a party hard da vida no mundinho de um apartamento, assim como eu. ♥ Gente que tem os móveis todos bem dimensionados com relação ao tamanho do quarto. ♥ Gente que tem os livros organizados por cor. ♥ Gente que anda pela rua e não cumprimenta ninguém não porque seja metida, é que ela só vê borrões ao invés de pessoas. ♥ Gente que tem milhares de caixinhas pra guardar não interessa muito bem o que, porque o que importa é ter caixinhas para guardá-los. ♥ Gente que anda pela casa rumo à cozinha com o telefone na mão pra beber água e de repente se vê com a geladeira aberta, sem o telefone que você provavelmente colocou no congelador, tirando a carne pra fazer o almoço mas encontrando a escova de cabelo que perdeu semana passada dentro da panela. ♥ Gente que tem vontade de botar na bio do twitter "pareço gostar de acelga mas sou legal. ♥ ♥ ♥ Gente que, apesar do brilhantismo, é daquele povo que é capaz de andar divamente rua afora até tropeçar fenomenalmente em um buraco e sair caindo em câmera lenta pra todo mundo que estiver passando assistir comendo pipoca. ♥ Gente que as pessoas sempre acharam ser metida porque tem cara de quem comeu e não gostou. ♥ Gente que fica desesperada quando esquece se tomou o remédio ou não - porque isso com certeza é Alzheimer. ♥ Gente que as pessoas nunca imaginam que faça alguma porquice ou mistura gastronômica considerada errada. ♥ Gente que tem aflição com bolinhas (eu não tenho, mas acho extremamente divertido praticar bullying com essas pessoas). ♥ Gente que tem um lugar preferido em algum lugar comum só porque o lugar em si tem particularidades que só a gente percebe e ama - e fica absurdamente nervosa quando algum desavisado o ocupa. ♥ Gente que nunca sabe dizer se o copo está meio cheio ou meio vazio. ♥ Gente que se preocupa em puxar assunto com alguém e estar incomodando. ♥ Gente que tem amigos mas não sabe bem o real motivo de tê-los (eu sei, eles vão lá em casa pra comer). ♥ Gente que passa o dia lembrando de algo pra não esquecer e, no fim do dia, não faz ideia de que precisava lembrar de, inclusive, anotar aquela coisa que esqueceu na agenda, coisa que também esqueceu de fazer. ♥ Gente que não sabe conversar com pessoas (eu por exemplo atravesso a rua e mudo de calçada e vou olhando para o outro lado pelo simples motivo de não saber como conversar com aquele colega de escola que vem andando na minha direção lá longe - é ótimo ter a visão perfeita). ♥ Alguém que as pessoas têm medo de chegar perto, mas que, em todos esses anos da minha vida de blog, é a única que permaneceu na minha vida desde quase o início - e melhor, há vários meses ela faz parte da minha vida pessoalmente também - porque ela existe! ♥ Gente que eu não vou esquecer que eu não fui a primeira a abraçar, mas quando eu consegui foi a sensação linda de reconhecer alguém que há muitos anos eu já conhecia - e admirava absurdamente. E em vez de ela dizer algo comum do tipo "prazer em te conhecer", ela disse "como seu cabelo é cheiroso!" ♥ ♥ ♥
Anna Vitória, essa linda, tem futuro. Não é minha parente de sangue (mas é de coração, porque eu adotei virtualmente como a filha perfeita que eu gostaria de ter), mas eu já consigo prever como ela será só analisando a minha própria vida e vendo como somos parecidas. Anna Vitória, assim como eu, se um dia tiver a pretensão de dirigir (porque eu também não tinha, mas meu patriarca achou que devia ser assim e eu não quis decepcioná-lo) vai estacionar o carro sempre nos mesmos lugares do shopping para não perdê-lo. Anna Vitória um dia terá sua própria casa, cuja qual terá uma harmonia perfeita em sua decoração frufru e cool ao mesmo tempo (aquela coisa de sofá florido com o poster de algum filme foda tipo Pulp Fiction pendurado na parede logo em cima). Anna Vitória terá um guardarroupa com as roupas arrumadinhas por cor (porque tem uma hora da vida que a gente descobre que a gente quer ser uma mulher diva e bem vestida - e arruma todas as roupas estampadas seguindo a cor base de cada estampa), mas que a porta logo ali do lado, a dos papéis, será sempre aquela zona que a gente não consegue organizar (e ao abrir a porta do armário cai tudo em cima da gente). Anna Vitória continuará tendo seus amigos (quanto mais malucos melhor), mas a união perfeita será sempre com o seu animal de estimação (Pandora no meu caso, Chico no dela).
Mas Anna é ainda melhor que eu. Anna é a personificação do que é saber perfeitamente TUDO o que acontece no mundo relacionado à cultura. Anna é ler todos os melhores livros, é assistir todos os melhores filmes, é escrever desde sobre a sorveteria da esquina até um texto sobre o Oscar que poderia perfeitamente ser publicado na melhor revista sobre o assunto. Anna é a pessoa que assiste quase todas as séries e que, se não assiste, sabe do que se trata. Anna tem a pretensão de viajar e de conhecer e de saber ainda mais do que toda a bagagem que já sabe em seus poucos 19 anos de vida que completa hoje.
Muitas felicidades, minha filha virtual mais admirada e querida do mundo! Te amo infinitamente e te quero pra sempre na minha vida, real e virtual, floreando meus dias, dançando forró, comentando os melhores filmes e as melhores séries e aprendendo com você tudo o mais que eu quero ser de linda nessa vida.