terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sobre desapego

Quando eu era criança, saía pegando florzinhas pela rua. Lembro da minha mãe nervosa, atrasada para o trabalho, me empurrando morro acima no caminho da escola. E eu parando em cada esquina, porque naquela época havia mesmo muitas flores nos arredores da rua. Eu gostava. Pegava e dava pra ela que, brava, só devia pensar que não via a hora de me despejar logo na escola pra não chegar atrasada no trabalho. Pensando bem cá comigo, eu era uma criança meiga. E fora as flores na rua, gostava também quando chovia e a água descia pela rua suavemente. Sabe quando forma ondinhas? Então. Eu achava bem legal. Além do fato de gostar de enfiar as mãos nos grandes sacos de feijões. Ah, síndrome de Amélie Polain. Isso eu ainda faço. Disfarçadamente, mas faço. Mas eu falava das flores.

Pegava flores na rua e levava pra casa. Daquelas laranjinhas mesmo, de mato. Eu achava bonitas. Chegava em casa e colocava no copo de água. E ficava feliz. Mas as flores morriam logo e esse foi um sentimento que cresceu comigo. Namorado romântico que dá flores de presente? Que bom. Mas isso morre logo. Eu acho sim, lindo. Mas se for escolher vou preferir ganhar alguma coisa que dure pra sempre, pra eu poder guardar. Outra coisa que eu gostava quando era criança eram as pedrinhas de areia. Daquelas brancas e redondinhas, sabe? Sempre achei legal. A precisão de uma pedra poder ser tão branca e redondinha. Levava pra casa. E aí você já pode imaginar o que estava por vir.

Cartas, fotos, roupas, brinquedos, caixas. Lembranças de todos os tipos. Das agendas cheias de papel de bala e recortes de revista à minha coleção de papéis de carta. Tudo sempre foi meu, muito meu. E eu sempre fui uma pessoa que guarda tudo. Milhares de arquivos no computador. Pra mim, cada coisinha me lembra um momento. Me lembra alguém. Me lembra uma fase da vida. Me lembra infância. Adolescência. Aquela melhor amiga ou o primeiro beijo. E eu tenho aqui até hoje meus cadernos de perguntas, meus cadernos de recados. Engraçado é ler e ver que era sempre a mesma coisa 'te curto pacas e você é minha melhor amiga'. Claro. Quem é que ia pegar o meu caderno e escrever que eu era uma chata de galocha? Curiosidade mesmo é pensar se mais alguém guarda essas coisas. Queria ver minhas mensagens de 'te curto pacas' por aí. Porque daí eu ia lembrar que curtia nada, que escrevi isso só porque a menina devia ter algum amigo bonito e eu queria era me enturmar. Ah, como as relações da infância são interesseiras.

Eu sempre fui famosa na família. Sempre tive um quarto só meu. E mesmo não sendo espaçosa, se o espaço é meu eu tenho que preencher. Meu guardarroupa dá de 10 a zero no de qualquer um por aí e eu sou capaz de apostar. Não que eu tenha tanta roupa assim. Mas porque TUDO meu sempre esteve guardado lá. Tudo o que você pode imaginar. Meu armário era daqueles que a gente abre e cai tudo na cabeça. Não que estivesse bagunçado - porque desde sempre o meu melhor passatempo é arrumar armário - mas porque as coisas simplesmente não cabiam. Era mais coisa pra guardar do que espaço disponível. Sempre. E a minha mãe sempre adotou a filosofia de não querer nada debaixo da cama. Tudo bem. Debaixo da minha cama não tinha nada, só o monstro. Eu enfiava tudo dentro do guardarroupa mesmo. Sem problemas.

Trinta anos, casa minha. Uma casa todinha só pra mim. Vários cômodos, vários armários. E quando pensava nisso logo vinha a realização do sonho de ter mais um montão de espaço pra guardar tudo mais que me desse na telha. Ah, satisfação. Mas não foi isso que aconteceu. Um belo dia eu acordei querendo fazer limpeza. De jogar tudo fora. Tou doente, pobre de mim - pensei. Dormiria e amanhã tudo voltaria ao normal. Mas não. Faz uns meses já que eu estou pensando mesmo em jogar quase tudo fora. Quase tudo o que eu guardei nesses trinta anos de vida. Agora eu visto as mesmas roupas e penso que é a última vez. E que amanhã vai para a doação. Nem que eu fique pelada, mas não quero mais usar as mesmas coisas. E pode virar esse seu nariz torto e o dedo apontado na minha direção com um pré-julgamento de 'consumista!' pra lá. Não sou não. Eu realmente preciso de roupas novas. E isso sou EU que sei.

O fato é que estou jogando fora minhas lembranças. Minhas coisas. Meus guardados. Minha vida. Vida essa que já passou. Que não quero mais guardar, não em forma de coisas. Acho que as lembranças que não devem ser esquecidas estão aqui comigo, dentro do meu cérebro. E que tudo mais que eu esqueci...... por que ter objetos para lembrar? Sou contra pessoas que terminam relacionamentos e saem queimando e rasgando tudo. Acho que é forçar muito a barra. Coisa imposta. Acho que cada um se livra de suas coisas, seus momentos.. quando está preparado. E eu já ouvi tantas vezes 'você precisa jogar tudo isso fora!' e respondi tantas vezes que o que eu faço com minha vida e minhas coisas é problema meu.

Aos trinta anos decidi jogar as coisas fora. Decidi desapegar. De momentos, de pessoas, do passado. E isso pode parecer simples pra você que está aí lendo e não entendendo bem porque eu fiz um post só pra falar sobre isso. Pois saiba você que pra mim é um fato importante. Porque um belo dia eu acordei e percebi que não preciso me apegar às coisas que já passaram para ser feliz. Que outras coisas virão, outras pessoas, outros momentos. E que hoje eu posso trocar os 'te curto' de gente que se eu encontrar na rua não vou reconhecer por pessoas que estão realmente comigo todos os dias, na alegria e na tristeza. E se essas pessoas passarem, outras virão.

Aos trinta anos decidi crescer. Decidi ser a mulher que nunca me vi sendo. Porque a gente passa mesmo muito tempo querendo não envelhecer. Querendo ser adolescente pra sempre, querendo não ter tanta seriedade. Mas os problemas não esperam você estar pronta para chegarem. E aí você pode sim ser responsável mas continuar sendo infantil. Mas pra que? Pra que, se a parte mais difícil eu já fiz? Por que não entrar de cabeça e assumir a mulher que me tornei e então aproveitar também essa fase da vida?

Aos 20 anos, aproveita-se as rapidinhas. Aos 30, se aprende lições. Já dizia Carrie Bradshaw. (aos 40 paga-se as bebidas. E realmente vai demorar BEM pra eu pagar alguma coisa pra alguém.)




Em tempo: a fofíssima da Anna me indicou para o #BlogDay lá no blog dela. É um treco aê que eu não sei muito bem como funciona, mas o que importa é que tem um dia específico lá que o pessoal indica blogs para os leitores. Eu sou mesmo uma pessoa desatualizada e nunca sei quando é nada e por isso não participo. Mas não pude deixar de ficar feliz com o relato dela - que é uma pessoa inteligente e confiável - a meu respeito. Passem pra ver que fofa! ♥ :~

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Sobre Eleições

Então que começou. A baixaria toda, palhaçada que não tem mais fim. E os comentários do brasileiro, povo que faz piada da própria desgraça, já pululam incessantemente nas redes sociais. Tiririca (o do jargão vergonhoso), Batoré, Wagner Montes, Mulher Melão, Tati Quebra-Barraco (vai liberar verba pra compra de fogão Dako pra todo mundo), Simony (é amiiiga, amiiiiga do peito, amiga de você), Reginaldo Rossi (direto da mesa do bar e o garçom é vice), Juca Chaves, Mulher Pêra, Leci Brandão, KLB (aquele com cara de doente e aquele que acha que é bonito) que, a exemplo de seus antecessores Netinho de Paula (que com certeza será reeleito porque o povo não repara que ele sai socando as pessoas na tv), Frank Aguiar (au!), Clodovil, Sérgio Malandro e Agnaldo Timóteo esperam (e serão, sem dúvida!) eleitos.

Mais uma vez estou aqui a pensar a respeito. Penso que concordo, esses e outros insensatos candidatos só são eleitos porque o povo vota. Claro. Tem os que votam por inocência (burrice!) e tem os que votam por protesto. Chutar o pau da barraca. Já tá tudo uma merda mesmo, vou votar no Tiririca pra ver o circo pegar fogo. Que bom. Só que o circo é a sua casa. E não é igual na cadeia, que você bota fogo no colchão e jajá o dinheiro dos impostos que a população paga suado todo mês será novamente investido em um colchão novo pra você. Aqui você vai botar fogo no circo para depois reclamar que a Europa, os EUA, o Japão... estão olhando feio pra você. Estão te recriminando. Estão falando que você é pobre e não tem capacidade pra tomar conta do próprio nariz. E eu concordo, pô. Você não botou mesmo fogo no próprio circo? Que credibilidade quer ter depois disso? Quer ter o direito de cuidar e zelar pela sua própria floresta como? E é só um exemplo. Não tou falando que a gente tem que votar bem só pra inglês ver não. Tou falando que seria bom que tivéssemos consciência. Parece que é lá fora, lá em Brasília, lá nos caras engravatados que você assiste rindo toda segunda no CQC. Mas não é não meu filho. É aqui, no seu dinheiro. É naquele absurdo que é descontado de você todo mês na folha de pagamento. Dos poucos que têm a felicidade de ter carteira assinada, claro. É no cúmulo de você comprar uma calça jeans por 400 reais. É na vergonha de ter que deixar coisas que você comprou na alfândega porque quis burlar os impostos e saiu feito camelô no país dos outros. É na incompetência de achar bonito que nossas crianças não saibam escrever corretamente. E achar normal que os adolescentes inventem seu próprio dialeto para mascarar sua falta de estudo e piorar ainda mais o que já não se sabe. É na aceitação da impunidade de pessoas que cometem crimes horrorosos e, se a justiça cega calhar de condenar (aleluia!), eles ainda têm o direito de visitar suas famílias em todas as datas festivas e sem implante de chip sobre a pele para que quando passar do horário de voltar pra cadeia dê choque até matar. É na infelicidade de ter a maior favela do Brasil no nosso maior cartão postal. Sensação de impotência ao ver que brasileiro se mostra sim. Em piada interna xingando alguém no twitter. E só.

Por outro lado, milhares de campanhas dizendo que a gente precisa votar bem. Você, meu filho, culpa sua se o seu presidente só tem 9 dedos e cheira a cachaça. É culpa sua não ter a mínima idéia do que faz um deputado federal ou estadual. É culpa sua se a sua cidade está debaixo da enchente e as pessoas nadam na própria bosta como se fosse a coisa mais normal do mundo enquanto a prefeita diz pra relaxar e gozar. É culpa sua se os caras enfiam o nosso dinheiro na cueca. Concordo sim, claro. A culpa é toda sua. Mas apontar o dedo pra gente é bem fácil. VOCÊ, ELEITOR, NÃO SABE VOTAR. Ponto. Simples assim. Oi, tou roubando sua grana e comprando minhas propriedades, porque você é retardado o suficiente pra acreditar que eu vou dizer que é verba pra comprar panetone. Fácil. Bota a culpa no povo e pronto. E a parte de ensinar? De instruir? De orientar? Ah, eu mesmo respondo: não é conveniente. O conveniente aqui é deixar mesmo o povo cego e burro. Votando a torto e a direito em qualquer fulano que tenha a melhor musiquinha. Naquele que beija criancinhas. Na sapa gorda e com cara de Slot que nunca se candidatou a nada e que você nem nunca viu na vida, mas é o cachaceiro do churras na laje que indica, então você vai lá e vota cegamente, porque você é companheiro. É conveniente. Pra eles, lógico.

Eu acho o cúmulo que o voto seja obrigatório. Porque sendo assim, você que fica puto de ter que acordar 8h da madruga no domingo, ou sair depois daquele almoço que te deixou com a pança pesada, ou no fim de tarde porque todo mundo vai e já tá fechando o bagulho... ainda chegar lá e pegar fila, ter que cumprimentar todos aqueles vizinhos que você passa 2 anos fingindo que não viu na rua e, veja bem.... as pessoas estão justo na sua fila. E a véia que ainda não morreu e por mais que você corra pra chegar antes dela sempre esteja na sua frente na fila e peça toda vez uma cadeira pra sentar em frente à urna, você, puto da vida..... vai lá e vota num número qualquer. Num daqueles que vc pegou no santinho jogado na rua no caminho. Claro, porque tudo o que você mais quer é voltar logo para o aconchego do seu lar e ver o Faustão, aquela coisa que você reclama todo domingo. Então vai lá correndo, faz tudo no qualquer jeito e vota branco. Nulo. Não, porque eu não votei em ninguém. Votei nulo. Infeliz você, seu burro. Acabou de votar no que estiver ganhando. E ele vai continuar ganhando, porque afinal de contas você não fez nada pra impedir.

Absurdo. É o que eu penso quando lembro que, com essa coisa do voto obrigatório, eu tenho que votar contra aquele que eu não quero que ganhe. Não, eu não posso analisar as propostas, não posso ver se tem ficha limpa, não posso votar naquele que eu acho mais sensato. Porque NINGUÉM faz isso. E aí, pra combater aqueles que votam em qualquer um, que votam em branco, que votam nulo. Eu tenho que votar naquele segundo das pesquisas, só pra o primeiro não ganhar. Coisa de país burro. E aí vamos nós, nessa coisa cíclica. Eleitor burro que não vota direito elege ladrão esperto que não quer gerir por causa de leis pré-estabelecidas pelo mesmo e para o mesmo das quais os grandes poderes fazem questão de que valham e sejam cumpridas porque não têm interesse em administrar. Poder esse dado a essas pessoas pelos próprios eleitos pelo próprio povo. Bonito né?

domingo, 8 de agosto de 2010

Sobre os piores

Daí que eu concordo que esse mundo é mesmo uma merda. Porque aqui não importa muito o que você fez, mas sim o que você fez que foi melhor que o outro. Que outro? Aquele que for sempre melhor que você, oras! Porque você quando era pequeno era um chato do caramba e chorava bem mais que aquele seu irmão mais novo, o santo. Porque quando o parente próximo da mesma idade começou a andar, você ainda estava engatinhando. Porque o mundo inteiro comia de tudo e você, criatura, não bebia nem água. Porque a coleguinha de escola vai fazer o papel principal da apresentação de dança espanhola quando você, lerda, recusou o convite. E agora que você resolveu aceitar ser a borboleta da história da lagarta no teatro... não é hora, sabe? Porque os alunos realmente bons estão pensando em estudar para as provas. E é, você é uma aluna de média 8. Mas não é 10, como aquela sua colega de classe, a Fulana. E também não é tão sociável quanto a Ciclana, sua vizinha. Ah, resolveu namorar? É, um feinho qualquer, porque você não teve capacidade pra conquistar o Gianecchini, claro. Primeiro emprego? Ah, é mesmo uma empresa multinacional de grande porte, mas você não foi trabalhar na Microsoft então não vale tanto assim. Tá ganhando bom sálário? Ah, mas a Beltrana ganha o triplo disso!

E assim vai a vida. Assim a gente aprende a nos comparar com os outros. É assim que nasce a inveja. Porque a grama do vizinho é mais verde, brilha mais e tem mais minhocas gordas e com senso de direção que a sua. E qualquer cachorro que passar vai escolher a sua grama mal cuidada pra carimbar, e não vai estragar a perfeita do vizinho, claro. E aí é bem mais fácil você invejar o jardim do vizinho do que enfiar as mãos à obra e comprar novo adubo para a sua. E você vai lá na casa dele à noite arrancar graminha por graminha para se vingar, porque você vai ter insônia ao pensar que a sua não é tão verde-folha quanto a dele. Normal. Faz parte da sociedade. Somos criados assim e a vontade de ser melhor que o outro existe desde sempre e vai existir pra sempre. E eu acho mesmo que a comparação traz coisas boas para cada um. Pra quem tem vontade de crescer ao invés de se lamentar, cria visão de futuro e oportunidades baseadas no esforço próprio. Eu quero ser tão bom quanto o vizinho. Vou me empenhar. Vou chegar lá. E chega mesmo.

Mas na vida, assim como os melhores que a gente, existe os piores. E hoje eu vou dedicar meu post a eles. Às moças que vieram ao mundo com o cabelo fuafa. Às que tingiram e ficou laranja. Às que queimam o ovo. Às que têm as unhas em formato de espátula. Às que têm pé feio. Às que colocam sandália e os dedos escapam pra fora do solado. Às pessoas que não têm senso de ridículo ao se vestir. Às que não sabem escrever um bom texto. Às que não conseguem arrumar um hobby para ser feliz. Às que não gostam de ler. Às que não sabem andar de bicicleta. Às que enfiam os dentes na frente quando vão beijar. Às que têm voz de taquara rachada. Às que não têm senso de humor. Às que não sabem sorrir. Às que se assustam com a tecnologia e não fazem questão de aprender. Às que não têm planos para o futuro. Às que acham que sonhar não vale a pena. Às pessoas que acham que ser grosseiro é bonito. Às que não têm educação. Às que não sabem se portar em qualquer ocasião. Às que não têm respeito pelo próximo. Às que só pensam em si mesmas.

Eu nunca esqueço quando entrei na natação. Eu e meus 17 anos recém completados. Nervosa por não saber nadar nem um nada. Quase que nem boiar eu sabia. Cheguei na academia: crianças. Só crianças aprendem a nadar. Os adultos já nascem sabendo, claro. E eu podia ter passado bem sem saber nadar, se não fosse a viagem de fim de ano que eu faria com a escola. Imagina. Nordestão de meu deus e eu sem saber nadar? Cê acha? O MUNDO TODO sabendo nadar menos eu. Nem pensar. Lá fui eu. Eu, meus 17 anos, minha magreza linda que não volta nunca mais num maiô azul e meus longos cabelos enfiados numa touca. Cotonete, me chamaram. No meio das crianças. Valéria era o nome da minha primeira professora de natação. Enfiada comigo na água e me segurando. Mico total. Era muita informação pra mim aquele negócio de bater braços, pernas e virar a cabeça pro lado pra respirar. Tudo de olhos abertos. Eu não tinha coordenação motora pra isso não. Não dava pra coisa. Era muita aventura pra minha pessoa.

Até que chegou mais uma aluna. Luciscleide (nome fictício porque eu não lembro o original. Mas era bem pior que esse, confiem em mim) tinha seus 24, 25 anos. Pra mim, então com 17, era muito mais velha que eu. E, consequentemente, o mico de estar aprendendo a nadar nessa altura do campeonato era muito pior. Luciscleide era esposa do moço que limpava a piscina, e por isso ganhou as aulas de graça. Enfiava sua forma de croquete de carne no maiô e me acompanhava. Ela, bem pior que eu, não conseguia nem enfiar a cara na água. E então eu aprendi a nadar. Vendo toda a dificuldade de Lu, a professora dava mais atenção pra ela na água. E eu, pessoa que não se sente à vontade pra fazer uma coisa nova se alguém estiver olhando... me dava bem fazendo as coisas sozinha. Entretida com as peripécias e gritos de Lu na água, as horas passavam rápido. Era sempre engraçado ver que cada braçada que ela dava, o rosto afundava e a bunda era a única coisa que restava pra fora da água. Um dia, nadando de costas, Lu dobrou o tronco pra trás e se afogou. E eu analisei a tia super Valéria tirar a roupa correndo e mergulhar na água como se fosse salvar o último leão marinho em extinção. Bonito. Achei legal. E decidi que um dia eu ia aprender a nadar assim. Onze anos foi o tempo que treinei natação. E posso dizer que atingi o meu objetivo. Mas foi a Lu que me incentivou.

Acho que é importante reparar nas pessoas piores que a gente, tanto quanto a gente repara nos melhores. Porque é olhando para os piores que não nos sentimos um caso perdido. É convivendo com eles que conseguimos ter incentivo para melhorar. Porque você pode estar mal, mas tem aquele que tá pior. É o pior que te dá forças, é o pior que te faz crescer. E você pode até não saber nadar, mas pelo menos não tá se afogando na piscina rasa e dando show na academia. E quando o namorado vai assistir a sua aula.... vai achar mesmo que você é toda supimpa e nada perfeitamente bem. Porque ele vai te comparar com a Lu, claro. E então que o namorado foi fazer aulas de natação comigo. E teve que usar pés de pato, coisa que eu nunca precisei. E calçando isso sentava na borda da piscina e me olhava nadar borboleta lindamente. Em terra de pé de pato qualquer borboleta é sereia.

Foi exatamente isso que eu pensei essa semana, quando o coordenador do curso de dança nos comunicou que no nível em que estamos, aprenderemos não a dançar, mas a dançar bem. E que não quer nos ver simplesmente dançando timidamente, que quer ver a gente dar show. Em todo e qualquer lugar, pois vai tocar toda e qualquer música nas aulas, conosco sabendo o ritmo e os passos, ou não. Aprenderemos quarenta passos novos de cada ritmo, e ele não quer que dancemos todos iguais. Quer ver aflorar em cada um o próprio estilo de dançar. E com tanta pressão e tantos pedidos de 'não desista!', cheguei a me sentir lá no primeiro dia da aula da natação: querendo sair pelos fundos. Mas então, olhando para os lados... quanta gente que, além de errar.. ainda erra para o lado errado. Quanta gente pior que eu. Quanta gente mais velha, quanta gente mais gorda, quanta gente que paga mais mico que eu. E é por isso que cada cavalheiro conhecido que chega do meu lado e diz 'que bom que a próxima dança é com você' ou 'se antes você era boa, agora vai ficar melhor' eu agradeço e, sem remorso algum, penso comigo: eu sou mesmo foda.

sábado, 7 de agosto de 2010

Sobre o meu Deus

Sei que depois daquele post do deus rebolation (que o dia que eu quiser ser agredida virtualmente por mais bastante gente, repostarei), decidi que o mundo ainda não está disposto a acompanhar meus pensamentos sobre o assunto e que não diria mais nada sobre religião, já que fiquei satisfeita com o texto tão incompreendido pelo mundo bloguístico.

Mas agora, fazendo uma limpa aqui no pc achei um ppt (Deus, porque o pessoal insiste em me mandar isso??) engraçadinho (milagre!) sobre recados de Deus. Vim compartilhar as melhores com vocês:

- Por favor, não beba quando for dirigir. Você ainda não está pronto para me visitar. Deus.

- Você pode imaginar quanto seria o ar se ele fosse fornecido por outra pessoa que não eu? Deus.

- Fiquei pensando como seria fazer a Terra em branco e preto. Mas então eu disse 'Nããããão!'. Deus.

- Se você perder o amanhecer que fiz pra você hoje, não tem importância. Eu lhe farei outro amanhã. Deus.

- Como você acha que pode ser um 'self-made-man'? Eu me lembro perfeitamente de tudo quando fiz você. Deus.

- Se você acha que a Monalisa é admirável, você precisa ver minha obra de arte. No espelho. Deus.

- Não esqueça de levar um guarda-chuva. Hoje preciso molhar as plantas. Deus.

- Na minha opinião, você é a mais bela criatura do mundo. Tá bom, tá bom. Eu sou suspeito. Deus.

- Que parte do 'você não deve' você não entendeu? Deus.

- Eu curto casamentos. Convide-me para o seu. Deus.

- Essa coisa de 'ame seu próximo'. Eu falei sério. Deus.



Não. Eu não me converti para nada além do catolicismo-não-praticante-e-descontente-com-várias-coisas-porém-só-tem-tu-de-melhorzinho-vai-tu-mesmo que eu já era antes. Eu só resolvi postar isso porque eu achei que, realmente... a frase número 6 é totalmente a minha cara. xD

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sobre Sex and the City

Gosto de séries, sabe? Acho mesmo bacana que alguém tenha inventado um esquema novela, em que os capítulos façam parte de um todo, mas se você assistir um aleatório vai pegar o fio da meada. Claro que Lost não entra nesse quesito. Mas Lost não foi uma simples série, oras! Nada se compara a Lost, na minha opinião. Mas dá sim pra gostar de muita coisa. E há temas para todos os gostos.

Sex and the City entrou na minha vida de maneira casual. Eu não sou tão fã de séries sobre relacionamentos pessoais - Friends à parte, porque Friends também não é uma simples série! - e não sabia muito a respeito e fui na onda, mas eu sou uma criatura mente aberta na medida do possível. Passei a assistir. É uma série que tem exclusivamente como público alvo as mulheres solteiras e acima de trinta anos. Ôpa que sou eu. Trata de situações do cotidiano das mesmas, muito mais voltado para relacionamentos que qualquer outra coisa. Claro, como eu disse no post passado: aos 30 anos, se você não casou..... nada mais é tão importante do que sair à caça. Mulheres solteiras, que moram sozinhas e na maior metrópole do mundo - portanto no extremo da modernidade, com vida profissional estável e à procura de relacionamentos. Concluindo: totalmente de acordo com os pensamentos do público alvo.

Posso dizer com convicção que uma menina de 20 anos não deveria assistir. Primeiro porque mesmo sem ser o tema principal dos episódios, o fator sexo está sempre presente. Claro, o próprio nome já diz. Não é uma coisa que dá pra assistir com os pais na sala não. E segundo porque eu acho que, por mais avançadas que sejam alguns cérebros de meninotas muito bem desenvolvidas.... não é hora, sabe? Acho que por mais que a moda seja dizer por aí certos clichês... aos 20 anos a gente sempre tem alguns sonhos, alguns valores, algumas virtudes que não devem ser quebrados ou influenciados por uma simples série que, inclusive, não é pra você. Por mais que se diga 'eu vou ver e não vou me influenciar'.. você vai. E não vai ser bom, vá por mim. Cada coisa a seu tempo. Aproveite agora seus gostos e valores e aos trinta anos, quando você estiver querendo chutar o pau da barraca em todos os sentidos, você vê.

Sex and the City é uma série que exalta pensamentos e comportamentos femininos perante os homens. É exagerado. Dá mesmo a maior vergonha alheia às vezes. Um nervoso total se você alguma vez na vida já se viu fazendo alguma daquelas coisas mostradas ali. Mas é exagerado porque é assim que entra o fator humor. E é assim que a gente consegue se ver nas situações. Quatro amigas, cada uma com alguma característica bem marcante, e que faz com que nós, do lado de cá, simplesmente assistindo... nos identifiquemos com alguma. Não satisfeitas, identificamos as amigas também. E a partir daí são comparações constantes da ficção com a realidade.

Seis temporadas e mais dois filmes recheados de situações que qualquer mulher de 30 anos já fez ou presenciou. E eu vim aqui dizer pra vocês que anteontem eu assisti o último episódio. Ontem, assisti o filme que faltava para que eu ficasse por dentro de tudo sobre a série. E concluí que gostei. Gostei muito, por sinal. Mesmo com um começo tímido, mesmo que eu tenha pensado no início que seria só mais um blablabla. Não foi. E eu não sei se devo essa minha opinião à minha paixão por séries, não sei se me apego conforme vai passando o tempo, não sei se vicio. Não sei. O que eu sei é que do que antes era apelativo e exagerado, eu consegui tirar informações importantes.

Muita gente faz escalada, sobe o morro todo, chega lá no cume da montanha, olha em volta e diz 'e aê? vambora?'. Eu não. Eu vou precisar chegar lá, sentar no chão porque vou estar ofegante da subida, com a cara vermelha do sol e suando em bicas, reclamando dos insetos, quase morrendo mesmo, vou pensar de onde foi que eu tirei essa idéia de girico pra inventar que queria subir a montanha, vou me imaginar na minha cama de banho tomado e barriga cheia, vou sentir saudade tremenda da pizzaria enquanto estarei comendo o misto quente frio que vou ter levado para a ocasião. Vou beber uns 3 litros de água, se eu tiver mesmo conseguido subir toda a montanha sem ir jogando pelo caminho todo esse peso que eu também inventei de levar. E então, depois de umas 2 horas, quando eu tiver descansado bem e cansado de reclamar da dor no joelho que fatalmente estarei sentindo.... olharei em volta e direi que valeu a pena. Tirarei muitas fotos, assistirei o pôr do sol, e então, quando eu estiver aproveitado bem todo o esforço que eu fiz.. aí sim vou querer ir embora.

Então, diferente de muita gente que conheço por aí, que assiste as coisas e sem entender por pura preguiça de perder alguns minutos analisando, simplesmente diz 'gostei' ou 'não gostei'. Sem base em nada, sem fatos concretos, sem dar uma real opinião. Simples assim. Mas eu gosto de analisar as coisas, gosto de pensar o que acrescentou em mim o tempo que passei me dedicando àquilo. E sobre Sex and the City, devo dizer: o melhor de tudo, de todo o exagero e de toda a situação patética de mulheres bem esclarecidas correndo atrás de homens nem tão à sua altura assim, é o que fica suposto em cada episódio e é escancarado no último, pra quem não consegue ler entrelinhas. O ame você.




E o 'suas amigas estarão lá quando aquele cara que você é apaixonada há anos não estiver'. Claro.

Sobre o Ponto Crítico

Então que aquela coisa que todo mundo diz que uma mulher se arruma para as outras mulheres é bem verdade. Mas não é só isso. Mulheres se comparam com outras mulheres desde sempre e pra sempre. E por volta dos 30 anos não é mais quem tira as melhores notas nas provas, quem chama mais a atenção dos meninos na escola ou quem é mais popular que importa. Importa o que você fez até aqui.

Aí que eu abro o Orkut e dou de cara com lindas famílias, maridos musculosos, viajados. Crianças com lindos cachinhos e olhos azuis que escolhem alegremente abóboras para o Halloween. Sim, porque moram fora do Brasil. E acho legal, sabe? Acho bonito ver que as pessoas cresceram, se desenvolveram, se reproduziram. Eu juro que só tenho Orkut porque acompanho de perto o crescimento de algumas crianças muito fofas que eu tenho vontade de apertar. Bonitinhos. Que bom que as antigas amigas casaram com alguém que parece perfeito, porque as fotos são sempre de comercial de margarina, e tiveram filhos lindos. Tem gente que estudou comigo e tá indo feliz da vida para a terceira gravidez. Que bom, eu realmente fico feliz por eles, de verdade. Mas tem gente que não pensa assim.

Tem gente que pensa que os outros se empenharam em casar e ter filhos... e aí? Onde fica a parte de aproveitar a vida? De estudar, viajar, fazer cursos? Onde ficam as noites de balada? De pegação? E a segurança de ter um bom emprego, para evoluirmos e crescermos profissionalmente e financeiramente? Onde fica aquela coisa de investir em imóveis, ações ou o que quer que seja para que tenhamos um futuro tranquilo? Então o pensamento é sempre 'Fulana casou e mal terminou o ensino médio pra fazer comercial de margarina. Assim até eu.' contra o 'De que adianta Ciclana se gabar que é doutoranda que ganha rios de dinheiro e viaja pro exterior todas as férias se continua encalhada?' Não sei o que é melhor, sabe? Sei que pra todo mundo sempre parece que está faltando alguma coisa e que eu só penso cada vez mais que nessa vida não se pode ter tudo.

Acho normal e que faz parte da vida das mulheres a rixa do tenho marido x tenho carreira. Mas o que eu não consigo mesmo aceitar é a busca incessante por um casamento que a maioria faz. Não entendo. Uma vez me disseram que mulheres fazem a vida em tópicos. Tópicos que precisam alcançar e ticar, como simples metas ou afazeres de um dia. Fazer faculdade - tique. Curso de inglês - tique. Trabalhar em uma boa empresa - tique. Alcançar salário tal - tique. Comprar aquele sapato caro - tique. Namorar o cara mais cobiçado - tique. Concordo que isso é realidade. E concordo que cada tópico tem um prazo para ser concluído. Agora bota tudo isso no MS Project e veja os pontos críticos. Eu te conto: o ponto crítico de uma mulher solteira é chegar perto dos 30 anos sem casar. Sem dó nem piedade. É isso aí e pronto. E depois desse, é chegar perto dos 40 sem ter filhos. Não tem outra opção. E não venha me dizer que estamos no século XXI, que isso é coisa do passado, que as mulheres hoje procuram primeiro a carreira profissional e que essa coisa de casar tá em segundo plano. Balela. O objetivo profissional pode até estar em primeiro plano, mas aos 30 anos isso tudo vai pro espaço porque o desespero do momento é casar. Tá.

Eu? Quando eu tinha uns 8 anos queria casar aos 25. Queria ter o primeiro filho aos 27. E quando dizia isso as amiguinhas me olhavam dizendo nooooooossa, que tarde. É, porque todo mundo queria casar antes dos 20. Os tempos eram outros. Acontece que eu, hoje com 30, olho minha mãe. Que casou com 18 e ficou grávida na lua de mel. E eu não acho que ela tenha aproveitado a vida, sabe? Se você perguntar pra ela, como pra qualquer uma das amigas de escola que estão no terceiro filho, todas vão dizer que são felizes porque suas famílias são lindas, claro. Mas eu, aqui de fora... porque não fazer mais? E eu não estou dizendo que casar cedo é um problema. Não é não. Acho que se você tem 20 anos e resolveu que achou o amor da sua vida e vai casar lindamente e viver de amor... pô, que bom. Que bom MESMO porque os amores que a gente vive aos 20 anos não vive nunca mais. Porque aos 20 anos tudo é sem preocupações, tudo é sentimento. E depois dessa fase a gente já começa a colocar empecilho em tudo e dificultar cada detalhe. Encontrou a alma gêmea aos 20? Que lindo. Casa lá mesmo e seja feliz.

Eu não concordo é com o ponto crítico. Não concordo em ver que a maioria das mulheres solteiras da minha idade - e nem preciso ir muito longe, nas amigas mesmo - têm o ponto crítico soando como sirene de bombeiro. Piscando em vermelho na testa desesperadamente. Porque eu não casei, socorro, e tem que ser agora. E aí não acho justo, nem com elas nem com os homens. Com eles eu não acho justo porque, coitados. Distraídos, com pensamentos altamente complexos como o próximo técnico do time ou o café do escritório que anda ralo, andam despreocupados em seus caminhos.... e, de repente, caem em uma das armadilhas das desesperadas em ponto crítico piscante e com sirene. Também não é justo com ela, que se sente cobrada, ainda hoje, no século XXI, pelas tias e avós por ser a sobrinha mais velha e que está na hora de casar. HAN. Veja bem. O QUE IMPORTA É CASAR, não importa com quem. E também não acho justo com os dois. Um homem enganado, que acha que era mesmo a última bolacha do pacote e que teve sorte por uma mulher dessa se apaixonar por ele.... e uma mulher, que casa com quem não é apaixonada e tem que lavar a cueca com freada de alguém que passa muito longe de seus sonhos de príncipe encantado.

E aí agora eu vou dizer pra vocês uma coisa aqui entre nós. Eu, SE casar, vai ser com alguém que eu esteja apaixonada. E podem me chamar de frufru, de cor de rosa, de farsa... seja lá o que for. Porque eu me recuso a casar com o primeiro que passar só pelo casamento em si. Eu acho que casamentos já são tão difíceis de durar com a gente gostando da pessoa..... imagina casando só por casar. Só pra entrar na igreja de branco e com todo mundo me olhando. Eu sou tímida. Só pra dar festa pra galera encher a barriga às minhas custas. Nem a pau. Não quero não. Esse item na minha lista nem é crítico. Juro que eu sou exceção da regra e está lá como um acaso. Se acontecer, muito bem. Senão, terei gatos. Farei horta. Bordarei panos de prato. E vou mesmo pensar que se não aconteceu comigo essa coisa de ter lindas fotos de margarina... é porque eu entrei em acordo com alguém do lado de lá que queria que fosse assim. E eu sou eu, né?

Aqui do lado de cá eu analiso as amigas. As que namoram há muitos anos e querem casar com aquele talvez só porque esteja mais à mão e deixam de lado o fato que o relacionamento já deu o que tinha que dar. As que colocam como meta uma letra do alfabeto e saem catando desesperadamente todo homem que começa com R e apaixonando no segundo encontro. As que estão mudando pra Aracajú porque o príncipe encantado mora lá e só é príncipe exatamente porque mora longe. Eu faço o meu papel de amiga e aconselho. Presta atenção, veja se é isso mesmo. Se fosse qualquer outra pessoa eu ia mesmo pegar o meu balde de pipoca e assistir. Mas com as amigas é preciso fazer exceção e dizer o que eu penso. Mas sou da opinião que cada um faz o que quer e boa sorte. Tá incomodada que todo mundo da época de escola tá casando e você não? Tudo bem. Vai lá. Marque encontro. Conheça amigos dos amigos. Vasculhe no Orkut alheio. Entre no bate-papo. Se associe a sites de namoro. Tudo bem. Pode até me contar depois. Eu não sou do tipo que critica não. Vou me divertir com as histórias, vou opinar. Mas sabe. Certas coisas eu acho o cúmulo. E ouvir que a fulana falou que quer casar porque foi criada pra isso e não tem outros objetivos de vida.... pra mim foi demais.


domingo, 1 de agosto de 2010

Eu, peneira.

Enxaqueca. É um negócio que eu tenho há alguns anos. Hereditária e sem cura, horas a fio de dores de cabeça. E além do incômodo da dor em si, já me vi várias vezes trancada em um quarto escuro, porque sensibilidade à luz e incômodo com sons faz parte. E são motivos para o início da dor coisas como dormir pouco ou dormir demais, passar do horário das refeições e, principalmente, estress. E todo mundo aqui sabe que eu NEM sou estressada. NÃO SABEM?

Remédios para dores de intensidade diferentes, fazer coisas que gosto e evitar café, chocolate, Coca Cola, vinho e frutas cítricas é o recomendado. Além de muito autocontrole. Oi, que nesse mundo ninguém tá nem aí se você precisa ser uma pessoa calma não. Negócio aqui é cada um por si e você que fique com a sua dor aí na sua, porque o que dói é aí na sua cabeça e eu nada tenho a ver com isso. Que bom.

Então que ultimamente minhas crises têm aumentado e faz exatamente três semanas que tenho enxaqueca sem parar. Dia e noite, noite e dia. E aí que é quando a coisa esquenta que a gente resolve tomar providências. Troquei o café por chá de camomila. Mando beijo pro chocolate e como gelatina. Deixei o vinho de lado e enfiei a cara na groselha. Laranja e abobrinha têm quase o mesmo gosto. E o primeiro que passar na minha frente com uma Coca Cola corre sério risco de morrer afogado nela. Semana que vem volto para a aula de dança, que é uma coisa que me deixa imensamente feliz. Por enquanto não voltarei para a natação, porque a pressão da água na minha cabeça me deixa pior. Já peguei o telefone da criatura que faz massagem terapêutica. Mas tudo isso ainda não fez com que a minha dor passasse agora. Sabe AGORA?

Sexta, pela primeira vez na vida, eu fui na acupuntura. Cheguei lá com medo, confesso. Como assim, enfiar um monte de agulhas em mim? Então eu lembrei da tatuagem. É. Agora eu só vou poder comparar com dor de parto. Nada mais me abala nessa vida. Doutor Fernando, já tendo conversado previamente com meu pai, já sabia do que se tratava quando cheguei lá. Havia pedido que eu fosse de regata e shorts. Ai que frio. Me levou até uma salinha com meia luz. Uma cama e um travesseiro. Música muito suave tocando ao fundo. Começou apalpando meus pés. Sorte dele eu não ter cócegas nos pés. Até que veio a primeira agulha. Achei incômodo. É claramente uma picada de agulha. Mas não dói nem 0,0001% do que dói uma tatuagem. Fiquei tranquila.

Dr. Fernando foi enchendo meus pés de agulhas. Mais uma perto de cada joelho. Mais uma em cada pulso. E aí, minha gente, uma em cada têmpora. Eu só sei que na hora de espetar minha têmpora direita eu vi estrelas. Então apagou as luzes e antes de sair e fechar a porta, olhou pra mim e disse 'reléx'. E eu fiquei lá. No escuro. Com a têmpora direita como se... como se... eu tivesse uma agulha enfiada no nervo. Rá. Reléx. Porque não é você que tem agulhas no cérebro!

Tentei abrir a boca pra mudar um pouco de posição. E descobri que ao mexer o maxilar, a agulha da têmpora também mexia. E pô. O problema não é enfiar a agulha. O problema é balançar o negócio. Ô treco que dói horrores quando balança! Certo. Resolvi ficar imóvel. Ai, deus, quanto tempo será que vou ficar aqui? Tá bom, ele me mandou ficar reléx. Vamos tentar. Olha a musiquinha. Olha o pianinho. Tanã-tanã-tananananã. Respira fundo. Não muito pra não balançar o negocinho. Isso. Reléx. Pô, será que eu vou ter que ficar reléx muito tempo ainda? Nossa que coceira na orelha. Mas se eu coçar vou balançar o trequinho e vai doer. Melhor abstrair. Coceira, você é miragem. Coceira, repara na musiquinha. Tananã-nã. Respira. Aaah, tou reléx. Mas podia ter trazido um notebook. Eu ia escrever vários posts enquanto estivesse aqui no reléx. E, puxa, talvez eu passe na padaria na volta. Pão é sempre bom. Mas pão não é relex. Nananananã-tantan. Aquecedor. Cê acha? Perguntar se quer que ligue o aquecedor. Melhor não pensar nisso senão vou ficar com frio. Justo eu, que fui firme e forte e disse que não precisava de aquecedor. Bom. Será que demora muito ainda? Não, não vou pensar nos meus problemas. Aimeudeus onde será que eu enfiei o papel do estacionamento? Será que no bolso? Não posso nem olhar. Senão balança o trequinho. E daí você já sabe. Ai que dor na têmpora. Têmpora. Aposto que têmporas têm o formato de balas soft. Só que mais macias. Como... damascos! Isso. Essa agulha enfiada no meu damasco direito tá doendo horrores. Tipo você, neurônio damasquiano! Quer doer? Toma aqui uma agulha balançante pra você! Rá! Aposto que quando tirar essa agulha vai sair o damasco junto de tanta dor. Acho que incorporou. Treco que balança, damasco. Damasco, treco que balança. Prazer. Tananananã-tanã. Nossa que eu preciso lavar a louça quando chegar em casa. Pô, e esse papel do estacionamento hein? Perdi mesmo, será? Dez reais se perder né? Ah, então beleza. Xô ficar reléx. Vou pensar em sorvete. Sorvete daqueles com casquinha. Casquinha reléx. Nanananã-tantã-tantã.

Não sei quanto tempo que eu devia ter ficado lá reléx. Vinte minutos, meia hora, talvez. Sei que foi um tempão. E eu, que nem sou uma pessoa agitada, tive vontade de fazer polichinelo. Só sei que quando aquela agulha saiu da minha têmpora deve ter entrado vento no buraquinho. Porque tá doendo muito mais agora do que antes. Doutor Fernando disse que vai passar. E que eu tenho outra sessão semana que vem. Mesmo bat-horário, mesmo bat-canal. E eu tou pensando em levar gibis. Pipocas. Palavra cruzada. E um cobertor.


E eu que me assustava tanto com esse filme quando criança.
Mal sabia eu. Era só acupuntura!