terça-feira, 21 de junho de 2011

Voltem para suas casas!

Então que São Paulo é, aparentemente, o point. Aparentemente espalham por aí que aqui tudo tem. Que a culinária é esplêndida e que a noite é supimpa. Que tudo o que você quiser fazer, aqui você pode. Que aqui não é Amsterdã, mas que se você for esperto, consegue um sexo explícito ali no Parque do Ibirapuera mesmo. Que aqui não é Itália, mas a nossa pizza é melhor (eu ainda preciso provar a italiana, mas concordo plenamente que a paulistana é melhor mesmo antes disso). Que aqui não é Portugal mas você consegue na boa um bom vinho do porto pra acompanhar aquele bacalhau da Noruega supimpa que você vai comprar na boa ali no Mercado Municipal. Tem tudo em São Paulo. São Paulo é comparada às maiores metrópoles do mundo, assim-assim com Nova Iorque e Tóquio. Pois bem.

Se você passou da idade da balada (porque o público é de 18 anos e eu, sinto muito, não convivo no mesmo ambiente), não bebe até cair (público frequente dos bares e eu, sinto muito, acho mico), está de saco cheio de ir ao shopping (eu me recuso a frequentá-los em quartas, sextas, sábados e domingos) e não curte um samba (tá na moda, toca em todo lugar, mas desculpe, eu tenho ouvido bom) fica meio restrito sempre às mesmas opções. Então um belo dia você decide inovar e, ôpa que é junho, resolve ir a uma quermesse. Quermesse, festa de igreja. Quermesse, meio que um programa de índio. Quermesse, que você vai só pra comer e mesmo assim paga 3 reais por um mísero pinhão sendo que com esse valor você pode comprar mais que um quilo deles em um sacolão qualquer. Quermesse, cheia de comidas de índio, nada muito chique, nada muito bistrô. Quermesse, nem cerveja tem. Quermesse, cheia de crianças vestidas à caráter e quando você passa da idade, nem graça tem.

Pois bem. Eu gosto de quermesses. Acho diferente. Pra mim é diferente. Pra mim, que nasci em São Paulo, no coração dessa cidade cinza e cheia de poluição que tinge há mais de 30 anos meus lindos pulmões de cinza. Pra mim é diferente. Pra mim é um passeio à parte, com aproveitamento do ar livre, coisa tão rara nesse lugar que eu moro desde que nasci. Quermesse, uma coisa tão diferente na cidade, que tive que procurar na internet onde tinha uma. E mesmo assim só encontrei a que eu já havia ido no ano passado e já a conhecia.

Sábado passado eu fui à quermesse da Igreja do Calvário, em Pinheiros. Ou melhor: os planos eram ir até lá. E nós fomos. Fomos, porque quando a gente viu o trânsito no meio do caminho, nem sonhou que era pra entrar em uma mísera quermesse. Fomos porque a gente achou que o trânsito era um acidente qualquer, uma entrada de balada qualquer, um imbecil fazendo uma conversão proibida qualquer. Fomos. E encontramos TODOS os estacionamentos nas ruas ao redor lotados. Fomos e demos de cara com uma fila pra entrar que dobrava o quarteirão. Entre nós, só rolou uma exclamação: "é show de quem?". De ninguém, caros leitores. NINGUÉM. Tem sim uma bandinha lá que toca ao vivo na quermesse, mas eu digo pra vocês que nada justifica aquele povaréu. Eu juro que pra quem olhava de fora parecia show tipo do U2. Ou aquelas filas que as lojas têm em dias de liquidação relâmpago ou de agarre o que puder. Ou fila de emprego. E era aí que eu queria chegar.

A quermesse (aquele programa de índio para muitos) estava cheia porque o shopping já estava lotado. Porque as baladas já estavam entupidas e os bares com gente saltando pelo ladrão. E eu aposto que nas principais ruas pra chegar nesses lugares, estava tudo congestionado também, assim como estava um trânsito do além pra chegar em uma simples quermesse. E eu posso garantir pra vocês que os restaurantes também estavam cheios. E aquele Mc Donalds que eu fui também estava um absurdo de lotado. E com certeza todos os ingressos de cinemas e de teatro também estavam esgotados, e eu como sei que isso é normal aqui na minha cidade estou querendo comprar agora um ingresso pra ver um espetáculo no Teatro Municipal que vai rolar só em dezembro. Porque aqui é assim. E daí eu te pergunto:

Por que INFERNOS a minha cidade está lotada assim? Quiquié que aqui tem mais gente que nos outros lugares? Vai me dizer que a poluição faz a galera ser mais fértil e sai todo mundo por aí tendo filhos em penca que depois saem pelas ruas no frio de 5º C com mini-short e vestidos que mostram o estômago quando se espirra, porque São Paulo está superpopulosa e qualquer jeito de chamar a atenção é válido? Não. Para o seu governo, aqui todo mundo trabalha muito. E que pode até ser que tenha um ou outro casal que supera as expectativas tendo três filhos, mas São Paulo é cheia de casais sem filhos e pessoas solteiras que não têm tempo de trabalhar o dia todo, passar 4 horas no trânsito e ainda cuidar de filhos. Então, ómeudeusdocéu, que p#rra é essa que anda acontecendo?


Imagina você lá, caboclo, vida no campo, falta de água, coisa difícil, meia dúzia de filhos pra criar, Josicleiton não entrou na escola porque não tem vaga e Jovelmira deixou de estudar pra cortar cana. Um belo dia chega luz elétrica na casa do patrão e enquanto Josivaldo almoça o arroz e feijão sofrido, assiste que em Sum Paulo tem a festa de Nossa Senhora de Achiropita. Então de repente começa o jornal e Josivaldo, já nem querendo mais arroz e feijão, entende que aqui há muitas vagas na construção civil e pouca mão de obra qualificada. Então ele pensa que empilhar tijolo deve ser igual a cuidar ali da fazenda, coisa que talvez ele seja o melhor na mão de obra, mas a insatisfação toma conta da pessoa. Ah, vontade de ver os prédios. Ô que em Sum Paulo tem salsicha. Josivaldo então decide que a vida vai melhorar, que os empregos vão pipocar, que ele vai encher a cara de picanha e que vai ficar rico. Aqui, na minha cidade.

A quermesse do Calvário estava cheia de Josivaldos. E Josilaines. Pra eles, uma festa comum, já que a maioria dos migrantes deve vir de lugares onde as festas ao ar livre são muito mais frequentes que nos lugares fechados. Josivaldo paga 5 reais num milho verde que comeria de graça de sua horta lá na sua cidade natal. Josilaine senta atrás de mim no cinema ainda admirada com a tela enorme e comemorando aquele momento tão à vontade que acaba lendo a legenda em voz alta para sua amiga, Jocilmara. Mas a aparente prosperidade dos migrantes nem sempre é a real: Jocilmara ajuda no salão de cabeleireiro da esquina e Josivaldo vende pipoca no farol. Porque apesar de, quem sabe, talvez, eles terem qualificação profissional para ocupar bons cargos nas empresas de São Paulo, ainda assim elas (as empresas) preferem pessoas mais jovens e que estudem em certas universidades (paulistanas, claro), inacessíveis por este ou aquele motivo. E então a fila de emprego em qualquer vaga de pedreiro pra qualquer construção de qualquer estádio de qualquer time por aí...... é um evento cujas pessoas se organizam a ponto de dobrar vários quarteirões.

E gente, peloamordedeus. Alguém precisa ir fazer palestra nas cidades do interior e nos outros estados pra dizer que não. Aqui não tá sobrando emprego. Que mal tem emprego pra nós, que nascemos aqui. E que não, aqui ninguém fica rico. E que a pizza pode até ser a melhor do mundo, mas se você tiver 30 reais pra pagar num mero brotinho de 4 queijos. Do contrário, pizza de 10 reais dá pra fazer em qualquer lugar do mundo com qualquer tomate e mussarela da mais barata por aí. Alguém precisa dizer pra esse pessoal que não, aqui não tem mais lugar pra morar. Que não tem mais onde construir casas, que um barraco na favela tá custando pra lá de 5 mil reais e que debaixo da ponte tem fila de espera pra morar. Que não adianta chegar aqui e ter o sonho de comprar um carro, se você não vai conseguir sair da garagem porque o trânsito bate na sua porta e se por acaso você conseguir dirigir por dois metros, vai ganhar uma multa por excesso de velocidade. Alguém precisa dizer pra eles que São Paulo está inabitável e que, se continuar nesse ritmo, aqui vai ter tudo menos paulistano. Porque as amigas paulistanas que eu tenho estão indo morar no nordeste. E mandam notícia dizendo que, nossa, aqui não existe trânsito. Os nordestinos estão todos em São Paulo.

Eu, se mandasse em alguma coisa nesse mundo, ia mandar todo mundo cada um para o seu estado de origem. Não vem que não tem, não adianta ir pra Sum Paulo que a cidade lá já expirou. Vou mandar fazer indústrias e comércios lá em Rio Branco. E espere uma nova unidade de Cinemark em Palmas. Vou botar Mc Donalds em cada palafita no leito do rio Amazonas e eu prometo mandar bandas de rock pra tocar no Pará (eu aposto que eles não aguentam mais Calypso).




É o cúmulo que o pessoal saia do nordeste (o berço das quermesses!) pra vir aqui superlotar a minha reles quermesse em Pinheiros. O cúmulo.




E minha vó: "mas filha! Eu sou mineira! Se você for fazer todo mundo voltar para suas casas, eu vou ter que morar lá!" Vai, vó. Mas eu mando fazer um Outback em São Lourenço pra eu comer lá toda vez que for te visitar. Que tal?

5 comentários:

  1. Não gosto muito de quermesse, mas gosto do seu texto.
    Adorei essa experiência. É sempre bom experimentar coisas novas. Quem sabe um dia eu vou e gosto? rs.

    Beijos.
    Tô te seguindo.

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  2. Eu invadi a sua cidade, que virou minha também. Eu pertenço tanto a São Paulo, mesmo que ela tinja meus pulmões de cinza. Pertenço a essa loucura toda, e adoro. E eu também não preciso provar pizza de Roma para continuar enchendo a boca pra dizer que a de São Paulo, com certeza, é a melhor do mundo!
    Céus, como eu amo essa cidade maluca!
    Beijos!

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  3. Renata, sua cidade é linda e ótima. Eu, que sou nordestina, já fui aí algumas vezes e já morei um mês também.
    Adorei a tua ironia nesse texto porque é mesmo a realidade de muitos que daqui saem para tentar ganhr a vida em Sampa comendo o pão que o diabo amassou. Desespero. Mas penso que são mesmo os nordestinos que fazem São Paulo funcionar.
    Abraços.

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  4. Reeee :) que saudade do seu blog!


    "Então, ómeudeusdocéu, que p#rra é essa que anda acontecendo?"é o que eu sempre me pergunto quando entro no metrô, sério. Ok que os nascidos em outros estados venham porque ai eles trazem cural, feijão de corda, queijo e doce de leite mas já deu porque aqui não tem mais espaço. E outra coisa: São Paulo nem é tão bonita assim, vai no centro, cheira a xixi e você corre o risco de ser assaltada.

    beijos

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  5. hihihihi
    Também acho nossa pizza a melhor do mundo mesmo sem ter experimentando a da Italia ainda.
    E se sua campanha for aceita, eu vou embora. E se você quer saber, eu iria embora de Sampa sim. Mas só se para minha terra fosse tudo que tem aqui - os Outbacks, os restaurantes japonês, restaurantes abertos de madrugada. Fiquei chocada outro dia ao descobrir que parece que Sampa é a única cidade do mundo que realmente tem tudo a qualquer hora. Que NY, "the city that never sleeps", não tem restaurante aberto às 4:00 da madrugada para você comer depois da balada.
    Ótimo texto de humor ácido. Você sabe que é isso que gosto aqui, né?
    Bjitos!

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